domingo, 6 de outubro de 2024

Concentração, meditação, psicoterapia.


 


Há tantas formas de meditação*, quanto de psicoterapia**. Alan Watts comparando a psicoterapia com as técnicas de meditação (os caminhos de libertação como ele as denominou) observa que ambas têm dois interesses em comum: primeiro, a transformação da consciência, o sentimento íntimo da existência de cada um; e, segundo, o desligamento do indivíduo de formas de condicionamento impostas pelas instituições sociais.

Em suas palavras:

...o budismo - e o mesmo se pode dizer de certos aspectos do hinduísmo como o vedanta e a ioga, e do taoísmo na China - não é uma cultura, mas uma crítica de cultura, e uma permanente revolução não violenta ou "oposição leal" à cultura à qual está ligado. Isso dá a esses caminhos de libertação alguma coisa em comum com a psicoterapia além do interesse em mudar estados de consciência, pois a função do psicoterapista é provocar a reconciliação entre sentimento individual e normas sociais sem, no entanto, sacrificar a integridade do indivíduo. O psicoterapista ajuda o indivíduo a ser ele mesmo e a viver a sua vida sem causar ofensa desnecessária à comunidade, a viver no mundo (da convenção social) e não contra ele... (Watts  Cap. 1 do livro “Psicoterapia e Libertação”, p.21...)

Entretanto nas tentativas de redução da psicologia à neurologia, e a mente ao corpo, em determinada condição sócio econômica ou cultura (como ele mesmo (Watts) observa) não são totalmente infrutíferas e abriram caminho para a grande revolução dos psicofármacos utilizados na psiquiatria desde a década de 50 (no séc. XX) e mesmo às ainda incipientes explicações do uso de substancias psicodélicas nas tradições etnomédicas e religiosas. A exemplo do uso da Jurema nas tradições de indígenas brasileiras; cogumelos e outras plantas enteógenas na cultura asteca ou o uso Ayahuasca na macro-etnia neo-incaica que se estendeu dos Andes à Amazônia. (Hofmann, Schultes)

Para Schultz atenção é uma função mista entre o afeto e relação volitiva e o componente fundamental da concentração (Schultz p. 368). Johannes Heinrich Schultz (1884-1970), foi um psiquiatra alemão que com o seus estudos e método de treinamento autógeno trouxe grande compreensão sobre a natureza da atenção plena (mindfulness), o domínio do tônus e tensão muscular e autocontrole obtido pela Yoga, apesar de suas limitadas contribuições à concepção oriental, étnica do “yoga” e sua difusão no ocidente.

Demonstrou o valor de práticas simples da observação da respiração, batimentos cardíacos e das sensações corporais de peso, calor para o autocontrole. Contudo devemos a outro neurocientista de língua germânica – Sigmund Freud (1856-1939) - uma melhor compreensão entre as relações volitivas (a consciência) e os afetos, sobretudo afetos em sua dimensão consciente e inconsciente. Explorou e propôs intervenções clínicas nesse aspecto qualitativo e quantitativo da energia psíquica (o que hoje podemos rever como energia vital) em seu inconcluso “projeto de uma psicologia científica” (1856-1939) também traduzido como “proyecto de uma psicologia para neurologos” e diversos textos de psicanálise. Observe-se os “caminhos” da irrupção dos sintomas ou formas que assumem as fantasias, sonhos e as alucinações.

O ideograma  chán, escolhido como símbolo de uma das escolas/templo de práticas do budismo na China, significa concentração meditativa em tradução para o chinês, direta do sânscrito dhyāna (ध्यान). Na Índia a meditação deve ser aprendida por quem deseja obter a concentração suprema (samādhi - समाधि) junto com outras práticas como disciplina (niyama); refreamento (yama); posturas (asanas); ritmo da respiração (pranayama); concentração (dhāraṇā - धारणा).  (Eliade)

Segundo Cheng podemos distinguir três fases da introdução do budismo na China desde os finais da dinastia Han (entre séc. III e IV) à sua plena assimilação e florescimento na dinastia Tang (nos séc. VII e VIII). É nesse derradeiro período a Sutra do Nirvana, promotor da escola com esse mesmo nome na China, segundo ela, o “vazio” (vacuidade) e a natureza-do-Buda (presente em cada um) tratada nessa sutra nada mais é que o “Eu” verdadeiro, e o nirvana (samsâra) o itinerário que leva a essa união final com o Buda. (Cheng).

NOTAS

* Numa tentativa generalizante de descrever, conceptualizar “meditação” diante da diversidade de formas podemos considerar: a observação concentrada na respiração e no fluxo do pensamento em imagens e palavras pensadas/recordadas (diálogos consigo mesmo). Para, como dizem os chineses, encontrar a imortal flor-semente do corpo do homem. A superação do mundo como descreve o antigo texto: “O segredo da Flor de Ouro” (Tai I Gin Hua Dsung Dschi) pois há uma luz do olho e uma luz do ouvido e semente é a luz em forma cristalizada. (p.112)

Jung, Carl Gustav. Wilhelm, Richard. O Segredo da Flor de Ouro, um livro de vida chinês. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992

** Segundo Cordioli ...na atualidade, existem mais de 250 modalidades distintas de psicoterapias, descritas de uma ou de outra forma em mais de 10 mil livros e em milhares de artigos científicos relatando pesquisas realizadas com a finalidade de compreender a natureza do processo psicoterápico.

Cordioli, Aristides Volpato e col. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008 APUD: CFP – Conselho Federal de Psicologia. Ano da Psicoterapia. Textos geradores: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2009/05/Ano-da-Psicoterapia-Textos-geradores.pdf


REFERÊNCIAS

Cheng., Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p.414

Eliade, Mircea. Yoga, imortalidade e liberdade. SP: Palas Atenas, 1996

Freud, S. Projeto de uma psicologia científica de Sigmund Freud (1950, 1895) Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V,I.

Hofmann, Albert; Schultes, Richard Evans.  Plantas de Los Dioses, las fuerzas magicas de las plantas alucinógenas. Mexico, Fondo de Cultura Económica, 2010

Schultz, J.H. O treinamento autógeno, (1932). SP, Mestre Jou, 1967 p. 368

Watts, Alan W. Psicoterapia oriental e ocidental. RJ: Record, 1972

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  Pinyin: chán

English Definition: dhyana (Sanskrit); Zen; meditation (Buddhism)
https://www.purpleculture.net/dictionary-details?word=%E7%A6%85

 
 xiǎng -  pensar; acreditar; supor; desejar; querer;
https://www.purpleculture.net/dictionary-details/?word=%E6%83%B3


冥想
 míngxiǎng - meditar; meditação
https://www.purpleculture.net/dictionary-details?word=%E5%86%A5

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Ideograma (caligrafia)

Guia Conhecer Fantástico.
A fascinante história do budismo
SP: Sindicato Nacional dos Editores de Livros, 2016

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VER TAMBÉM

ACUPUNTURA DE CHAKRA
Gabriel Stux, M.D. / Tradução: Paulo Pedro P.R. Costa

Costa, Paulo Pedro P. R. Acupuntura, ciência e profissão, 2013
http://etnomedicina.blogspot.com/2013/06/acupuntura-de-chakra.html

O "yoga psicodélico"
uma estratégia para interpretação das relações entre a acupuntura e psicoterapia

Costa, Paulo Pedro P. R. Acupuntura, ciência e profissão, 2014
http://etnomedicina.blogspot.com/2014/03/acupuntura-yoga-psicoterapia.html 

Treinamento autógeno e auto-controle

Costa, Paulo Pedro P. R. Saúde & Comportamento, 2014
http://medicinacomportamental.blogspot.com/2014/03/treinamento-autogeno-e-auto-controle.html

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