RESUMO
Este texto inicialmente foi
apresentado como anexo ou artigo complementar da monografia “O mar de dentro, um estudo da concepção de
cérebro, e mente no sistema etnomédico chinês” apresentada em 2003 no curso de
especialização em Acupuntura Sistêmica e Auriculoacupuntura, ministrado pelo
Prof. Jurecê J. Machado na Clínica Escola Científica de Acupuntura - CLIMA na época
filiada à ABA Associação Brasileira de Acupuntura por organização do Dr. Haeckel
Meyer um dos fundadores da acupuntura na Bahia. Discorre sobre a relação entre as possíveis conexões do sistema nervoso cental, mais especificamente do tronco cerebral, com o conjunto de nervos presentes no pavilhão auricular, explorando sua forma, função e potencial utilização clínica na medicina tradicional chinesa e ocidental.
Auriculoacupuntura (耳針 Ěr
zhēn )
Entre antigas obras da medicina
chinesa existem diversas referências a estimulação de pontos na orelha entre os
métodos de tratamento. Muitas livros e artigos inclusive citam que o próprio Nei
Jing (内經)
em suas notas que tratam das estreitas relações entre a orelha e outros órgãos
indicando que alterações fisiológicas e patológicas do coração, rins, cérebro,
fígado, baço, intestino grosso e delgado se refletem na orelha (Weikang,
p.30-31; Dulcettti Jr., p.8-9; Chan, p.14)
A prática médica resultante
destas observações sobreviveu até os nossos dias e tem sido denominada aurícula
acupuntura, do in auricular ou medicina auricular sempre se referindo a métodos
de observação e estimulação de cada região ou ponto do pavilhão do ouvido
externo com fins profiláticos ou terapêuticos.
No sistema chinês de explicação
tal possibilidade de diagnóstico e/ou de eficácia terapêutica se deve a conexão
do pavilhão da orelha com "canais colaterais" feito o Yang Wei que
entra na orelha após circundar a cabeça e/ou com seis (6) entre os doze (12)
meridianos ordinários Yang que entram e passam em torno da orelha. Os meridianos
Yang (Tai yang da mão (ID); Yang ming da mão (IG); Shao yang da mão (san jiao
(SJ) ou tríplice aquecedor (TA) e Shao yang do pé (VB) entram na orelha e os
meridianos do estômago (E) e bexiga (B) atingem a região periauricular. Os meridianos
Yin conectam-se indiretamente através dos canais colaterais. (Weikang, o.c.;
Machado, Quatro institutos, p.401-402)
Segundo o Nei Jing (内經), o
sangue de todos os 12 meridianos sobe até a face e o cérebro, seus ramos
atingem a orelha para tornar a audição normal. Alguns exemplos do Nei Jing (内經) compilado
por Bing Wang durante a dinastia Tang 唐朝 (618-906):
... os cinco canais, Shaoyin da Mão (Coração),
Shaoyin do Pé (Rim), Taiyin da Mão (Pulmão), Taiyin do Pé (Baço-pâncreas) e
Yangming do Pé (Estômago) se reúnem no ouvido, e ascendem para circundar o
ângulo frontal acima do ouvido esquerdo, se a energia do canal do cinco tipos
de colaterais estiver esgotada, quando a energia perversa invadir, isso fará
com que se perca a consciência; ao contrário de quando o funcionamento dos
canais no corpo todo está normal, o paciente se assemelhará a um cadáver, e a
isso se chama síncope. p.312
Inclusive, nesse capítulo sobre a
punção contralateral, recomenda para síncope ... se a picada for ineficaz, soprar
as duas orelhas do paciente com um tubo de bambu e haverá recuperação
imediata... p.312
Sobre as doenças febris: ...
"No terceiro dia, o mal é transmitido ao Shaoyang (SanJiao/ tríplice
Aquecedor -?). O Canal Shaoyang se encarrega dos ossos e corre junto às duas
partes laterais do tórax, circundando as duas orelhas, por isso o [calor]
perverso irá causar dor no peito e no hipocôndrio, e ensurdecimento nos
ouvidos. p. 175
Além da descrição de diversos
pontos tomando como referência as orelhas, destaca especialmente a conexão como
o meridiano dos rins (Shao yin do pé), no capítulo onde relaciona os órgãos
internos às doenças, a saber:
..."Quando a pele for
escura e de textura fina, os rins serão pequenos; quando a textura for espessa,
os rins serão grandes. Quando as duas orelhas estiverem em posição elevada, os
rins estarão em posição alta; quando as orelhas estiverem voltadas para trás,
os rins estarão em posição baixa; quando a pele e os músculo da orelha da
pessoa forem substanciais, os rins estarão firmes; quando a pele e os músculos
forem finos e não estiverem firmes, os rins serão frágeis. Quando as duas
orelhas forem arredondadas e se situarem em frente dos dois ângulos das
têmporas, os rins estarão em posição correta; quando uma orelha for mais alta
do que a outra, os rins estarão enviesados. Para a condição das cinco variações
acima, se for mantida corretamente nas condições específicas ele pode ser
estável; se estiverem mal adaptadas causando lesão, ocorrerá a doença”... p.696
Segundo Dulcetti Jr., além do Nei
Jing (内經),
encontramos referências à estimulação de pontos auriculares em textos ou
tratados de medicina das dinastias: Iuan ( 元朝, yuán chäo entre 1271 – 1368)
com indicação para epilepsia infantil; Tsin (400 d.C.); Tang (唐 táng)
entre 618 – 907 inclusive com aplicação
de substancias irritantes ou causticas sobre a orelha; Sung (900 d.C.); e Ming
(明
míng) entre 1368 e 1644. Refere também à utilização de moxibustão (灸 Kyū -
em japonês) ou mogusa (モグサ) nos pontos auriculares pelos japoneses e em outras
regiões do Oriente (Egito, Índia (medicina Ayurvédica), Sri Lanka, Turquia).
Para Wirz-Ridolfi o primeiro mapa
auricular foi publicado em 1888 por Zhenjun Zhang em seu livro Essential
Techniques for Massage (Lizheng Anmo Yaosu) Este mapa era um desenho da face
posterior da orelha mostrando áreas dos cinco órgãos Zang : Coração; Fígado;
Baço; Rim; e Pulmão.
Meditação, audição na cultura chinesa
Na década dos anos trinta, o psiquiatra
e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica, a partir da
psicanálise, Carl Gustav Jung (1875-1961) e publicou diversos artigos e livros
sobre a sabedoria oriental, analisou um texto chinês esotérico, do século XVIII
“O Segredo da Flor de Ouro”, que reúne instruções budistas e taoístas sobre
meditação. Na análise desse livro traduzido Richard Wilhelm, (1873-1930) observa
que chineses (representados por essa tradição), distinguem “a luz do olho” da “luz
do ouvido” como focos de excitação para vencer os equívocos da distração e das fantasias
que ofuscam a clareza ou a compreensão.
Observa que tais focos de
estimulação/são uma mesma “luz”, ou característica da consciência humana,
apesar dos dois nomes manifestam-se como imagens ou uma palavra sem som, que se
ouve em silêncio, enquanto as imagens se assemelham as do sonho e imaginação.
Estende ainda esta interpretação a outros aspectos da concepção chinesa dos
aspectos Yin, Yang na energia vital e
sua analogia com os aspectos Po e Hun do espírito humano equivalente ao
que ele denominou anima e animus. Anima ou princípio feminino (Yin, na concepção chinesa) preso à
terra e aos processos corporais e plexos nervosos enquanto o Animus (princípio masculino)
corresponderia ao Hun (Yang) associado à visão e sistema
cerebral a alma luminosa que se desvanece no ar e o Po a alma sombra que se dissolve na terra depois do corpo morto. (Jung,
O Segredo da Flor de Ouro, p.94)
Há ainda na tradição oriental, diversas
técnicas de meditação e transe induzidos pela música ou auxiliados pela música,
contudo deve-se observar que a audição apesar de neurobiologicamente não estar
dissociada do pavilhão externo da orelha, é uma propriedade do ouvido médio.
Como se sabe o ouvido é um órgão
multifacetado que conecta o sistema nervoso central à parte externa da cabeça e
do pescoço. Essa estrutura como um todo pode ser considerada como composta por
três órgãos separados, que atuam em um coletivo para coordenar certas funções,
como audição, equilíbrio e movimentos da cabeça e/ou das orelhas em muitos
animais. Agressões microbianas ou traumáticas podem afetar qualquer uma das
suas funções apesar das suas evidentes e/ou ainda desconhecidas interconexões.
A conexão neurobiológica mais
evidente do pavilhão auricular ou orelha são as conexões associadas ao controle
da cabeça e dada a importância, da comunicação sonora (que deu origem à nossa
linguagem), para localização dos sons e, especialmente os “gritos” ou sinais de
alarme e perigo associados às reações de fuga e luta e funções do sistema
nervoso autônomo.
O pavilhão da orelha e conexões autonômicas
O ouvido externo é constituído
por uma porção laminar expandida - o pavilhão da orelha, e pelo meato acústico
externo. Sua principal função é captar as vibrações do ar, pelas quais os sons
são produzidos e conduzi-las até a cavidade timpânica no ouvido médio (Gray).
Ao contrário de muitos mamíferos a orelha externa do homem é relativamente
pequena, rasa e praticamente imóvel - com raras exceções de indivíduos que
voluntariamente realizam alguns movimentos rudimentares para cima, adiante ou
atrás (Testut; Latarjet). A maneira como localizamos os sons depende
basicamente das ligeiras diferenças de tempo na chegada do estímulo sonoro a
cada um dos ouvidos, cooperamos ativamente com esse processo nervo-sistemático,
voltando a cabeça e avaliando o efeito desse movimento por retroalimentação.
Sabe-se que a compreensão do
funcionamento de um órgão não pode separar-se facilmente da compreensão de seu
objetivo biológico. O que também pode ser dito de um conjunto de nervos de
qualquer órgão ou região do corpo. Ao se analisar, portanto a origem, função e
interconexões dos nervos do ouvido externo, como no caso, temos que situar sua
função de captar sons dentro do conjunto orgânico que compõe o aparelho
auditivo, incluindo os sistemas cocleares de identificar vibrações para
alimentar as informações que coordenam os reflexos posturais.
Sem pretender discutir etapas
evolutivas ou variantes de ecolocação dos squalos, répteis, quirópteros e
cetáceos não é por acaso que o grupo de nervos conectados na orelha externa
humana são também responsáveis por equilíbrio postural, movimentos direcionais
da cabeça, mímica facial, movimentos da língua e de regulação de órgãos
internos via sistema nervosos autônomo.
A existência de mecanismos biológicos
que envolvem as respostas de fuga - luta, quase como uma cadeia de reflexos
eliciada a partir de "gritos de alarme" em inúmeras espécies de
animais (Eibl - Eibesfeldt) A explicação de tal rede de conexão nervosa deve
considerar a preparação do organismo em tais pautas de comportamento que tem
sido classificados como apetitivos (busca) e consumatórios de defesa ou
ergotrópicos e de repouso e conservação de energia ou trofotrópicos (Engel),
envolvendo ainda mecanismos de regulação das funções viscerais e metabólicas em
concordância com a estimulação que traduz as contingências ambientais incluindo
os gatilhos biológicos do clima e estações do ano.
Entre as pautas de comportamento
atribuídas ao sistema parassimpático integrado ao sistema trofotrópicos estão em
diferentes espécies comportamento relacionados a criação de filhotes,
comportamento cooperativo de sobrevivência compartilhada, transmissão da
cultura (ou memes da protocultura) estão comportamentos apetitivos e
consumatórios de prazer, sedução, êxtase formação de par e vínculo social. A
resposta de medo é modificada na escala evolutiva a partir da inibição de
resposta de imobilização réptil para desenvolver o mecanismo de fuga - luta ou
inibição de comportamentos por vínculos de identidade grupal e hierárquicos
típicos dos humanos como o amor. (Porges)
Os mecanismos de controle de
nervo vago por associação com os pares cranianos responsáveis por nervos
faciais de mímica e vocalizações (social engagement) é exclusivo dos plexos
mielinizados dos mamíferos. (Porges)
A intervenção sobre tônus
parassimpático tem sido obtida par fins terapêuticos através de aparelhos de
biofeedback, condicionadores de ondas cerebral, de eletro-sono e de auto
hipnose com estímulos luminosos - dream machine. (Ter Meulen et al; Blase et
al) Aparelhos de estimulação elétrica do nervo vago (no ramo cardíaco cervical
superior) semelhantes a próteses neuro-cibernéticas para auto-controle de
convulsão tem sido indicada para depressão. Cirurgia para corte do nervo vago
ao nível do estômago (vagotomia super-seletiva) ainda são indicadas para alguns
casos de úlcera duodenal crônica intratável (Wippel). Cirurgias de inibição
cirúrgica ou corte seletivo de nervos do sistema simpático também são indicadas
para alivio dos sintomas de hiperidrose congênita.
Naturalmente que análise
neurobiológica da importância do padrão de regulação autonômica na evolução das
espécies não se esgota nas constatações da neuroetologia, e estudo das
aferências e eferencias do conjunto de nervos sensoriais e motores) envolvidos
com o sistema nervoso central. No mínimo estas conexões com o pavilhão auricular ainda precisam ser
melhor estudadas do ponto de vista da neuroanatomia e fisiologia.
A saber, conexões do ramo
auricular do nervo vago, e anastomoses em nível cervical com gânglio jugular ou
superior do vago e conexões com o sistema nervoso simpático: gânglio cervical
superior (C1 - C4); nervo occipital menor (C2) e Nervo auricular magno (C2 -
C3) ambos com conexão com gânglio simpático cervical superior e anastomoses com
N. vago, acessório, hipoglosso e frênico.
A auriculoacupuntura e
auriculoterapia sem dúvida trouxeram nova compreensão à moderna neurociência por
sua notável exploração das possibilidades clínicas da estimulação clínica do
pavilhão auricular tanto numa perspectiva metodológica dos estudos dos reflexos
como da etnomedicina e história da ciência.
Esboço de hipótese
Sabe-se
que não cabe no escopo de uma monografia a elaboração e teste de hipóteses,
contudo a apresentação desse esboço hipótese ou problemas a investigar, nos foi
útil na orientação tanto da elaboração inicial e agora, desta presente revisão.
Assim sendo consideramos:
O sistema
nervoso autônomo possui distintas conexões anatômicas com diversas regiões o
ouvido externo que podem ser utilizadas como pontos de estimulação para
tratamento de um amplo espectro de patologias
Essa
hipótese pode ser evidenciada:
1. através da metodologia clínica e experimentações
conduzidas pelos princípios da acupuntura explorando as possibilidades
terapêuticas por intervenções com sucesso na regulação orgânica, sobre as quais
já se possui razoável registro e número de publicações sobre auriculoterapia e auriculoacupuntura.
2. através de observações e análises conduzidas a partir
de uma perspectiva etnográfica e histórica da auriculoacupuntura ou acupuntura
auricular que reforçam a explicação da proposição anterior e apontam novas
direções de pesquisa orientada pelos fundamentos da medicina tradicional
chinesa
(1) Auriculoterapia/ auriculoacupuntura
Apesar da diferença entre as
proposições teórico clínicas da auriculoacupuntura e auriculoterapia, são
maiores as suas semelhanças. A auriculoterapia ou aurículo medicina integra a
concepção de reflexologia e reflexoterapia, com a brilhante proposição de Paul
F. M. Nogier (1908-1996), também conhecida como “escola francesa”, de
auriculoterapia, contudo não se pode negar a origem e influência da própria acupuntura
auricular, integrante como vimos da medicina chinesa, de origem da China antiga
com ampla difusão, inclusive na Europa antiga.
No campo da reflexoterapia um
estímulo em um conjunto de pontos pode ser considerado um programa operando
sobre a tela de um ordenador (o pavilhão da orelha) nos quais vêm se inscrever
as mesmas formações patológicas (os pontos correspondentes aos órgãos doentes)
enquanto pontos de projeção (Kovacs, p.180). A tradição chinesa nos ensina que
pontos de acupuntura são as regiões de acesso a intervenções no “Qi” ou “Xue” dos
sistemas orgânicos como suas características Zang Fu de organização
fisiológica, os pontos auriculares não fogem à esta regra, inclusive como já
referidos nos antigos textos chineses (Machado; Wirz-Ridolfi).
Segundo Machado (anotações e
textos de aula) a evidenciação dos pontos de acupuntura (pontos ativos) da pele
constitui não somente a confirmação das observações milenares, mas também nos
revela particularidades funcionais ainda desconhecidas sobre o nosso envelope
cutâneo, com implicações importantes na economia energética e informática (ou
cibernética) no organismo vivo.
A possibilidade de intervenção no
campo termo-eletromagnético do corpo humano associado a um segmento específico
tem sido a proposição das diversas formas de reflexoterapia, assim lidamos com
o potencial das conexões nervosas e vasculares que possui o pavilhão auricular.
Por outro lado, uma possibilidade de intervenção direta nas conexões do tronco
cerebral também vem sendo tentada, via estimulação elétrica sobretudo sobre o
nervo vago e bioquímica para controle do apetite, da febre, da agressividade e
tratamento da ansiedade nos distúrbios mentais.
A reflexoterapia parte do
princípio de que algumas regiões do corpo possuem conexões com o sistema
nervoso e vascular, como citado acima, e se constituem como zonas e áreas
reflexas que supostamente refletem uma imagem do restante do corpo, enquanto um
padrão de nervos e vasos que se repetem. Além do pavilhão auricular são,
praticamente tradicionais as estimulações dos pés (podoreflexoterapia); nas
mãos incluindo as concepções orientais de origem coreana (Korio Soo-Ji-Chim),
com a premissa de que tal trabalho nos pés e nas mãos provoca uma alteração
física nas áreas supostamente relacionadas de o corpo. (Kunz; Kunz; Lin)
O termo reflexo, possui uma longa
história de aplicações na história da ciência, entre estas a teoria do
"ato reflexo” de René Descartes, [1596-1650] (Murta; Falabretti). Este
conceito possui ampla aplicação no exame neurológico e intervenções
terapêuticas, a exemplo da fisioterapia pediátrica (Grave; Sartori) e
psicologia, contudo não deve ser confundido com os diversos empregos que o
termo possui na atualidade como se fosse uma disciplina científica
independente.
Observe-se que a utilização do
termo "reflexo" possui vários significados e diferentes usos na
história da medicina, além da clássica e conhecida reflexologia pavloviana ou
de origem russa. Ivan Pavlov (1849-1936), recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia
ou Medicina de 1904, sendo notabilizado pela teoria do reflexo condicionado e por
ter evidenciado o padrão básico na regulação reflexa da atividade dos órgãos
digestivos. (Nobel Prize Outreach)
Sobretudo para uma melhor
compreensão da auriculoterapia e acupuntura auricular é que examinaremos sua
história e desenvolvimento a partir de dessas duas perspectivas diferentes o
Sistema chinês de Acupuntura Auricular e o Sistema europeu de Acupuntura
Auricular, que posteriormente evoluiu para Auriculoterapia e Medicina
Auricular.
Conforme proposição de Raspa e
Belasco Jr. E outros autores podemos identificar dois períodos em sua história:
1. Acupuntura Auricular antiga,
referente ao período anterior ao século XX e até os anos 50.
2. Acupuntura Auricular Moderna
referente ao tempo desde quando Paul Nogier redescobriu e aperfeiçoou o método
de cura pela aurícula, passando pelo desenvolvimento dos mapas chineses com a
incorporação do homúnculo invertido no pavilhão auricular publicado em 1958: a
revista de Medicina Tradicional de Shangai
Destaca as contribuições da Dra.
Huang.
Em 1960, pesquisadores de Nanking
concluíram o estudo que verificou a exatidão clínica do homúnculo auricular de
Nogier em 2 mil pacientes clínicos.
1972: a China apresenta o mapa
estandardizado dos pontos auriculares. Devido à grande diversidade de trabalhos
publicados por vários centros de estudos e atendimentos em Auriculoterapia,
havia surgido algumas diferenças entre os mapas que eram publicados na época.
Por esse motivo, teve a necessidade de se unifcar a nomenclatura e a
localização dos pontos de Auriculoterapia chinesa.
1990 - A OMS (organização mundial
da saúde) reconhece a Auriculoterapia.
(2) Auriculoterapia origens
Apesar da citação quase
consensual de que provavelmente a
primeira referência europeia à auriculoterapia venha do médico português
Zacatus Lusitanus, em 1637, para
tratamento da ciática, não se pode ignorar a representação iconográfica do pintor
holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), entre 1490 e 1510.
Dulcetti Jr, ressalta ainda que
no citado tríptico do mestre holandês Hieronymus Bosch, conhecido como como “O
Jardim das Delícias Terrenas”, em exposição no Museu do Prado, encontra-se um símbolo que em detalhes constitui-se de duas aurículas unidas pelas faces posteriores, tendo entre ambas a lâmina
de uma faca. Observando ainda que na região superior da concha inferior da
orelha um “diabrete” enceta uma lança no ponto utilizado na terapia auricular
para disfunções da libido, enquanto que acima, no centro da fossa triangular se
vê outra lança penetrada no ponto já conhecido e usado para cura de ciática,
desde essa época (?).

Na composição tríptica, esse ícone
fálico se integra a parte que representa o inferno, uma faca que do ponto de vista psicanalítico pode
representar a castração ou os genitais masculinos, em seu aspecto agressivo e
penetrante. Não se pode ignorar, também que a referência ao ponto da aurícula estimulado pelo homúnculo encapuzado (um diabrete) era possivelmente utilizado para o tratamento de disfunções da libido
na medicina hipocrática. Hipócrates, o pai da medicina grega, relatou que os médicos faziam
pequenas aberturas nas veias situadas atrás da orelha para facilitar a
ejaculação e reduzir os problemas de impotência.
Comentando a importância de Hieronymus Bosch e as questões relativas à agressividade/sexualidade nesse quadro, Jacques Lacan nos legou o seguinte texto
.... Esses fenômenos
mentais a que chamamos imagens, termo cujo valor expressivo é confirmado por
todas as acepções semânticas, após os perpétuos fracassos registrados pela
psicologia de tradição clássica na tarefa de dar conta deles, a psicanálise foi
a primeira a se revelar à altura da realidade concreta que eles representam. É
que ela partiu da função formadora das imagens no sujeito e revelou que, se as
imagens atuais determinam tais ou quais inflexões individuais das tendências, é
na condição de variações das matrizes que constituem, para os próprios"
instintos", esses outros específicos que fazemos corresponder à antiga
denominação de imago.
Entre estes últimos, há
os que representam os vetores eletivos das intenções agressivas, que elas dotam
de uma eficácia que podemos chamar de mágica. São as imagens de castração,
[éviration, melhor traduzido por eviração] emasculação, mutilação,
desmembramento, desagregação, eventração, devoração, explosão do corpo, em
suma, as imagos que agrupei pessoalmente sob a rubrica, que de fato parece
estrutural, de imagos do corpo despedaçado. ...
.... Há que folhear um
álbum que reproduza o conjunto e os detalhes da obra de Hieronymus Bosch, para
ali reconhecer o atlas de todas as imagens agressivas que atormentam os homens.
A prevalência dentre elas, descoberta pela análise, das imagens de uma
autoscopia primitiva dos órgãos orais e derivados da cloaca gerou, ali, formas
de demônios. Não faltam nem mesmo a ogiva das angustiae do nascimento, que
encontramos na porta dos precipícios para onde eles empurram os condenados, nem
a estrutura narcísica, que podemos evocar nas esferas de vidro em que se acham
aprisionados os parceiros exaustos do jardim das delícias. ... (Lacan
p.107-108)
Observe-se que além das associações relacionadas à
agressividade evidenciadas por Lacan na interpretação dos quadros de Bosch, não
podemos esquecer (na perspectiva do nosso esboço de hipótese) que tanto a
agressividade como a sexualidade possuem intrínseca relação com o sistema
nervoso autônomo e que para muitos indivíduos o pavilhão auricular é uma
importante zona erógena, com suas caraterísticas específicas simbólicas e
nervosas (ver Freud, 1905 e Winkelmann, 1959)
Um outro interessante aspecto, ainda a destacar nas
contribuições da psicanálise e semelhanças metodológicas de análise simbólica
são as avaliações das representações da medicina tradicional chinesa (leia-se
dos sistemas etnomédicos) quanto a representação dos desejos (enquanto imagens)
indefectivelmente ligados aos órgãos do corpo, associados às suas demandas de
necessidade biológicas é a seleção de um grupo de cinco emoções
(surpresa/alegria; medo; tristeza/melancolia; ira; preocupação) associadas, aos
cinco elementos da natureza, estações do ano, e sistemas orgânicos zàng 脏 /fǔ 腑, segundo a concepção chinesa
(coração/intestino delgado; rim/ bexiga; pulmão/ intestino grosso; fígado/ vesícula
biliar; baço-pâncreas/ estômago).
O mesmo poderia ser dito quanto a concepção indiana de
“chakra” e as funções orgânicas, aproximadamente descritas como: reprodutivas,
(Swadhistana Chakra) excretoras (Muladhara
Chakra), socioafetivas (Anahata Chakra) e de comunicação (Visuddha Chakra) etc.
mas esse tema merece um análise à parte.
Observe-se também que tanto a psicanálise com a acupuntura, e
por extensão a aurículo acupuntura, fundamentam seus recursos de
aperfeiçoamento técnico-científico no que pode ser denominado como metodologia
clínico-qualitativa (Turato),
ou seja, ambas as técnicas se valem da análise da história clínica
(antecedentes, início, manifestação, intervenção, resultados) mais recentemente
potencializada pela metodologia estatística e metodologias qualitativas.
Sendo que a psicanálise recorre a uma etnometodologia de
dados genético-biográficos e a acupuntura recorre à etnologia clássica ou
identificação do contexto etno-histórico da medicina tradicional chinesa. Embora ambas tenham em seu horizonte ou marco
teórico a neurociência, a linguística e a antropologia cultural.
A via de mão dupla
Entre as técnicas que estimulam o
sistema nervoso autônomo, como dito anteriormente, não se pode deixar de
incluir a aurículo acupuntura.
A possibilidade de comunicação
anatômica da estrutura nervosa da orelha externa, tradicionalmente estimulada
na auriculoacupuntura, com os centros vitais do tronco cerebral, onde se
destacam as conexões com o sistema nervoso autônomo, contudo ainda é hipótese, apesar das evidencias
clínicas vindas tanto da auriculoterapia como acupuntura auricular.
No caso da auriculoterapia, de modo distinto da tradição
chinesa, há considerável avanço das correlações com a neurobiologia, iniciada
com a proposta de Paul Nogier (1908-1996) em 1951, pesquisando o reflexo
aurículo cardíaco (RAC), inaugurando auriculoterapia francesa ou medicina
auricular, identificando a correlação (mnemônica ou neuroembriológica) da
imagem do feto na posição invertida intra-útero e o pavilhão da orelha numa
verdadeira cartografia orgânica.
Numa perspectiva histórica, o desenvolvimento dos estudos de
Paul Nogier e fundação da escola Nogier, de certa forma influenciaram o
desenvolvimento da auriculoterapia como da própria acupuntura.
Em 1956 o Dr. Paul Nogier apresentou o cartograma
auricular resultante (já incluindo a relação com a representação do feto
invertido) no Primeiro Congresso da Sociedade Mediterrânea de Acupuntura
(Premier Congrès de la Société Mediterranéenne d'Acupuncture), Marselha,
França, 1956, onde Gerhard Bachmann, MD, editor do Jornal Alemão de Acupuntura
(Deutsche Zeitschrift für Akupunktur ) também participou e publicou a
apresentação do Dr. Paul Nogier, nesse periódico de ampla circulação, inclusive
(e principalmente) na China intitulado (em francês) “A aurícula: pontos
reflexos e áreas” - Bull Société d'Acupunct. 1956:20 (Wirz-Ridolfi)
Tal publicação, como dizemos hoje, teve considerável impacto,
influenciando pesquisadores do Japão à China (inicialmente). Entre essas
publicações resultantes pode-se destacar a publicação da Equipe de Pesquisa do
Exército de Nanjing iniciou um ensaio clínico com mais de 2.000 pacientes e
documentou a eficácia do método Nogier. Sendo esta foi a origem do Gráfico de
Acupuntura da Orelha Chinesa que foi e é reconhecido e aprovado pela Organização
Mundial da Saúde - OMS. (Wirz-Ridolfi)
Em 1987 a OMS, adotou a padronização e nomenclatura de 43
pontos da orelha em uma reunião em Seul seguida por outra reunião em Genebra
(1989) e em 1990, em Lyon. O padrão até hoje utilizado inclusive como declarado
em entrevista pelo Raphaël Nogier – (Lyon, 01/12/2014) (ver site: Escola Nogier)
Raphaël Nogier, é um médico, filho
de Paul Nogier, pesquisador e escritor, exerce a medicina em Lyon (França). Há
mais de 30 anos trabalhando com auriculoterapia, método de tratamento
desenvolvido pelo Dr. Paul Nogier, denominado por ele de auriculoterapia
clínica.
Essa metodologia segundo ele, e
reforçado pela representante da Escola Nogier no Brasil a fisioterapeuta Dra.
Larissa A. Bachir Polloni que inclusive desenvolve um moderno canal de
divulgação desta tecnologia no youtube, por diversas vezes consultado para esta
revisão. Segundo essa escola a aurículo terapia clínica fundamenta-se, portanto
em três pilares:
1 Diagnóstico – detecção de
pontos
2 Sinal vascular (RAC – Reflexo
Auricular Cardíaco ?)
3 Frequências de estimulação
(frequência de Nogier) 8 áreas
O diagnóstico por detecção de
pontos configura-se pela identificação de dois tipos de pontos: (1) Pontos reflexos,
pontos reflexos detectáveis por pressão/ palpação; (2) pontos equivalentes a
complexos neuro-vasculares identificados por detecção elétrica, no Brasil,
desde 2017, está certificado e vem sendo utilizado EL30 Finder
Assim sendo, verifica-se que a
orelha apresenta pontos que “aparecem” numa condição disfuncional, ou seja,
tornam detectáveis em caso de dor em distintas regiões do corpo ou
perturbação patológica funcional, através da pesquisa (de dor no pavilhão
auricular) por pressão/ palpação ou utilizando detectores elétricos de pontos. Hoje
sabemos que aparecem, na superfície da orelha, áreas com menor resistência
elétrica cutânea, quando há uma presença de distúrbios funcionais, e que essas
áreas têm características embriológicas distintas e respondem a estimulação com
frequências elétricas (Hertz) também distintas (conhecidas frequência de
Nogier) situadas entre padrões entre 5 e 160 hz .Cada ponto da orelha
corresponde à uma parte do corpo específica, ou seja, existe um mapeamento
real, baseado numa somatotopia, como referido (Escola Raphaël Nogier – site e
canal)
Em tese, como descrito por
representantes dessa escola a auriculoterapia francesa, ou auriculoterapia
clínica, tem seus resultados, tal como afirmam os integrantes dessa escola, por
estudar e conhecer... adequadamente a fisiologia do Sistema Nervoso Central e
sabendo executar estes dois métodos de detecção: a detecção de pontos dolorosos
e a detecção de pontos de menor resistência eléctrica cutânea, donde é possível
em primeiro lugar efetuar uma análise precisa da orelha para o diagnóstico, e,
posteriormente escolher adequadamente os estímulos corretos para o tratamento,
estimulando os pontos da orelha seja através de agulhas, cauterização, massagem
ou ondas eletromagnética, (Escola Raphaël Nogier – site e canal)
Conexão autonômica
1.Perspectiva anatômica
As conexões do X par craniano ou
Nervo Vago com o pavilhão auricular se realiza pelo ramo auricular do nervo
vago, e anastomoses em nível cervical com gânglio jugular ou superior do vago. Sabemos
também que o Nervo Vago faz conexões com a medula oblonga (sulco entre a oliva
e o pedúnculo cerebelar); Núcleo solitário; Núcleo da asa cinérea (N. dorsal);
Núcleo ambíguo.
Estimulações com eletrodos no
hipotálamo conduzidas por Hess W. R. (1954) demostraram que o diencéfalo,
particularmente o hipotálamo, controla e integra a função autonômica. Ele
demonstrou isso eletricamente, estimulando áreas específicas e pequenas do
hipotálamo. Dependendo da área estimulada, a frequência cardíaca, a pressão
arterial e a frequência respiratória do animal aumentavam, como no medo (uma
reação simpática). A estimulação de outro local produziu uma diminuição na frequência
cardíaca, pressão arterial e respiração e um aumento na motilidade
gastrointestinal - uma reação parassimpática. (Shampo et al.)
O pavilhão auricular além do
Nervo Vago possui conexões com o sistema nervoso simpático - Gânglio cervical
superior (C1 - C4), Nervo occipital menor (C2) e Nervo auricular magno (C2 -
C3) ambos com conexão com o gânglio simpático cervical superior e ainda
anastomoses com nervo acessório,
hipoglosso e frênico além do nervo vago, como referido.
2. A perspectiva clínica
Uma leitura dos pontos de
acupuntura relacionados a estimulação para sedação ou tonificação dos pontos
relacionados ao sistema nervoso autônomo e funções orgânicas controladas por
estes ainda está para ser realizada. As
dificuldades de trabalhar-se diretamente com medidas hipotalâmica podem ser
contornadas por avaliação clínica para redução de sinais e sintomas de controle
autonômico como taquicardia, níveis de tensão arterial, estase gástrica,
constipação, gastroparesia, diarreia noturna, retenção ou incontinência
urinária, impotência sexual incluindo-se naturalmente tristeza, medo e
descontrole de emoções (sintais e sintomas, como se sabe intermediados por
alterações do sistema nervoso autônomo).
É possível inclusive encontrar-se
correlação entre diagnósticos feitos por padrões registrados de variação em
níveis de energia elétrica detectada pelo toposcópio (impedância elétrica -
condutividade elétrica da pele) na superfície do pavilhão auditivo e realizados
através dos métodos de íris diagnóstico e outros sistemas de reflexoterapia
segmentar (mãos, pés, etc.), considerando-se a hipótese que ambos os sistemas
dependem dos níveis de estimulação e regulação dos analisadores do sistema
autonômico.
3. A perspectiva experimental e
clínica
Talvez seja a auriculoterapia
francesa quem melhor conduziu estudos que evidencies a perspectiva experimental
e clínica a partir da hipótese das conexões do sistema nervoso e pavilhão
auricular.
Segundo Paul Nogier o lóbulo da
orelha prolonga a cauda da hélice, estas duas regiões auriculares têm origem
ectodérmica e são controlados pelas partes do pavilhão que não são inervadas
nem pelo pneumogástrico nem pelo trigêmeo, são carnudas e não apresentam
nenhuma formação cartilaginosa interna.
Na perspectiva clínica, que inclusive
deu origem a representação do feto invertido, o lóbulo e a cauda da hélice
representavam, por si sós, parte do sistema nervoso central e periférico juntamente
com a região do antítrago associada à funções da região do tronco cerebral.
A perspectiva clínica da auriculoacupuntura
Uma das maiores evidências
clínicas das conexões entre a estimulação do pavilhão auricular e intervenções
no SNA são as indicações e possibilidades terapêuticas das chamadas disfunções
autonômicas ou doenças psicossomáticas diagnosticadas e tratadas a partir dos
mapas adotadas e incorporadas à medicina tradicional chinesa. Como por exemplo
o que aqui ilustra, com 78 pontos, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas
sobre Meridianos e Acupuntura Internacional de Shangai, China ou os
selecionados no “Livro dos Quatro Institutos”
O “Livro dos Quatro Institutos” refere-se
à utilização da acupuntura na orelha para prevenção e tratamento de doenças e
para anestesia com acupuntura. Na tabela de localização e indicação dos pontos
auriculares utilizados como mais frequência inclui diversos pontos indicados
para doenças neurológicas, nervosas ou psicossomáticas a exemplo de: Constipação,
diarreia; urgência de micção e retenção da urina; Impotência; Enurese; Dores
(efeito analgésico), Cefaleia; Insônia; Asma; Disfagia; Náusea; Vômito;
Gastralgia; Paralisia facial; Zumbido no ouvido; Lombalgia; Hipertensão;
Hipotensão. Observe-se a importância da regulação autonômica para cada uma
destas disfunções
Importante, porém, é atentarmos
que apesar da semelhança de utilização de pontos e zonas específicas do
pavilhão auditivo é a diferença na interpretação dos resultados obtidos ou na
ótica das hipóteses neurofisiológicas ocidentais, exploradas na auriculoterapia
francesa, ou na ótica da medicina tradicional chinesa (MTC).
Uma hipótese e tentativa de
interpretação considerando ambas as perspectivas (chinesa e francesa) foi realizada
por Frank R. Bahr na década de 90 identificando simultaneamente os pontos
relacionados aos órgãos na perspectiva ocidental e um possível trajeto dos
meridianos entre eles (Strittmatter), contudo há poucas publicações sobre seus
resultados clínicos.
Machado, destaca que a MTC,
moldada por sua própria “filosofia” ou sistema de crenças da cultura chinesa, e
limitada pelas circunstâncias históricas das ciências naturais, difere em muito
da Medicina Moderna Ocidental, sobretudo na sua concepção da estrutura do corpo
humano. O sistema etnomédico implícito na cultura chinesa desenvolveu uma forma
própria de descrição e intervenções do corpo, não apenas fundamentado na
anatomia e sim em resultados obtidos por seus métodos terapêuticos
próprios.
Entre os métodos terapêuticos
empregados da MTC, como se sabe, estão a fitoterapia e acupuntura. Como foi
visto as técnicas da acupuntura nunca excluíram intervenções sobre o pavilhão
auricular e enquanto uma racionalidade médica, apesar de manter alguns “marcos
teóricos” desenvolvidos ao longo de sua história milenar, a exemplo das
concepções de yin/yang e cinco elementos, não é uma concepção estática, vem
evoluindo continuamente e pode-se afirmar que que vem incorporando as
contribuições da auriculoterapia francesa.
Para Weikang, a acupuntura tem
origens na era paleolítica (anterior a 10.000 a.C.) são clássicas as
referências as lascas de pedra para punção «bian shi» e as posteriores agulhas
de pedra «zhen shi», de osso, lascas de bambu e cerâmica, antes das presumidas
agulhas de metal das dinastias Shang e Chou (séculos XVI a VIII a.C. quando se
iniciou a metalurgia), até as primeiras nove agulhas encontradas no tumulo Liu
Sheng, da dinastia Han ocidental, do século II a.C.
Colin A. Ronan, em sua
"História ilustrada da ciência da Universidade de Cambridge",
assinala o período histórico de surgimento/consolidação de algumas das ideias
básicas da ciência chinesa que eventualmente levaram ao desenvolvimento da
técnica da acupuntura, como a concepção de Yin / Yang (陰陽) no princípio do século
IV a.C. e a teoria dos Cinco elementos Wu Xing (五行), entre 370 e 250 a.C. por Tsou Yen
(Zou Yan), o membro mais destacado da Academia Chi-Hsia (Zhi-Xia) do príncipe
Hsuan (Xuan). Contudo foge do escopo desse texto monográfico a longa história
de conquistas médicas desse sistema etnomédico chinês (a MTC), com
incontestável evolução e ampla difusão mundial, até a incorporação em muitos
sistemas públicos e atenção médica e vir ser reconhecida como Patrimônio
Cultural Intangível da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura) como aconteceu em 2010.
Para concluir
Segundo Machado (o.c.) acupunturista
e biofísico a melhor estratégia, que inclusive vem aperfeiçoando nos seus,
quase, meio século de prática e pesquisa é a utilização de aparelho eletroestimulador
e localizador (tipo os desenvolvidos pela Escola Nogier) com circuito toposcópio
para eletro diagnóstico dos pontos sensíveis ou de frequência específica.
Alterações na sensibilidade a dor e/ou frequências discrepantes ao esperado
para cada região são os elementos do diagnóstico. A estimulação imediata com
agulhas e posteriormente por sementes reforçam o critério diagnostico
estabelecido pela anamnese e exame segundo as regras chinesas do yin/yang e
cinco movimentos, identificando as distintas síndromes e seu tratamento por
estimulação dos meridianos identificados no que alguns denominam acupuntura
sistêmica nesse caso complementado pela acupuntura auricular.
Estudos posteriores podem e
deverão ser realizados tanto explorando as possibilidades de experimentação e
análise anatômico fisiológica com os recursos da moderna neurociência (que
abrange a neurobiologia e a neuropsicologia), como através da metodologia
clínica, que deverá incorporar, o sistema de revisões sistemáticas a exemplo dos
trabalhos já publicados pela fundação Cochrane, ou revisão das revisões,
respeitando o limite das dificuldades de interpretação antropológica dos
sistemas etnomédicos e concepções espiritualistas, mítico-religiosas.
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Notas
Algumas citações e estudos foram
contribuições do presente autor aos verbetes sobre o tema na Wikipédia (pt.)
sobreviventes à guerra que alguns editores declararam contra o que imaginam ser
a pseudociência.
Originalmente esse texto deveria
ser citado como:
Costa, Paulo Pedro P. R. Aurículo
acupuntura, sistema nervoso autônomo, sistema nervoso central. In: Costa, Paulo Pedro P. R. O "mar de
dentro" um estudo da concepção de cérebro, mente e espírito no sistema
etnomédico chinês. Anexo da monografia de especialização em acupuntura. Orientador:
Jurecê Jorge Machado. Clínica Escola Científica de Acupuntura - CLIMA / ABA
Associação Brasileira de Acupuntura – Seção da Bahia. Salvador, fevereiro de 2003.
Mapa de acupuntura auricular –
Auriculoterapia /
Instituto Shangai foto: CostaPPPR
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EarModelDSC_7928.jpg
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VER TAMBÉM
O Sistema Etnomédico Chinês
http://etnomedicina.blogspot.com/2009/09/o-sistema-etnomedico-chines.html
Cérebro 腦, o mar de dentro 髓海
http://etnomedicina.blogspot.com/2014/03/cerebro-o-mar-de-dentro.html
Disponível em PDF em:
https://pt.scribd.com/document/558252977/NeurobiologiaAuriculoacupuntura
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