quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Aura humana, fluidos, energia.

  Uma interpretação transcultural

Persiga-a e ela sempre escapará de você;
fuja dela e ela sempre estará lá
(Huang-po, mestre zen chinês do século IX)

A palavra "aura" tem origem grego latina (Lat. aura/aether; Gr. aura/aither), e significava um vento brando e aprazível, aragem. Em medicina designa a sensação que precede uma crise asmática ou epiléptica. No espiritismo foi definida como a "atmosfera fluídica" em que vive o homem. Fluido, por sua vez, corresponde ao éter propriamente dito, em conexão com os raios cósmicos – de fluxo vertical, e os raios magnéticos, horizontais (campos) dos vegetais e (por extensão) acidentes geográficos e/ou geomagnéticos. (Toledo, 1964).

Numa perspectiva de comparação transcultural, o éter (em grego clássico: αἰθήρ, æther) é um elemento formador das regiões do universo situadas além da esfera terrestre, na física aristotélica, é relativamente distinto dos outros quatro elementos (ar, fogo, água e terra) formadores do nosso mundo. Na cosmologia indiana o Éter, akasha  (em sânscrito: आकाश) é um termo para o espaço ou o éter juntamente com Vayu (ar), Tejas (fogo), Jala (água) e Prithvi (terra).

Curiosamente o sistema chinês (Wu Xing) “substitui” o éter por “madeira” ( mù), considerando os outros quatro elementos tal e qual os indianos e gregos, quanto ao fogo (), terra () e água (), considerando também como equivalentes o metal () e o ar (), pois este é o elemento do pulmão ( fèi) ou mar da respiração, região do jiāo () superior do meridiano “tríplice aquecedor” (三焦) e/ou do mar de Qi  (ch'i), a energia celestial.

O ‘magnetismo’, por sua vez, corresponde às primeiras acepções médicas europeias do período de concepção do lebensmagnetismus (magnétisme-animus) hipnotizador idealizado por Franz Anton Mesmer (1734-1815), da eletricidade animal descrita por Luigi Galvani (1737-1798) e da elaboração da doutrina espírita pelo magistrado, Alan Kardec (1804 -1869). (Hothersall, 2006; Doyle, 2011)

Gerber, o célebre autor do best seller Medicina Vibracional, observa que muitos cientistas e historiadores consideram erroneamente as experiências de Mesmer como hipnose, assinala também que as pesquisas de Mesmer, cuja teoria é bastante parecida com os conceitos da medicina astrológica desenvolvida por Paracelso (1493-1541) envolveram tanto o uso de imãs como a imposição de mãos ou toque terapêutico – e que a cura pelas mãos é típica de muitas técnicas de curandeiros, referida no papiro de Ebers, do antigo Egito (1552 a.C.), na Bíblia, na Grécia antiga, descrita por Aristófanes (447-385 a.C.) e inclusive nos recentes estudos feitos sobre curandeiros/as famosas como Olga Worrall, (1906-1985) e outros por  Bernard Grad (1920-2010) da Universidade McGill no Canadá. (Gerber, 1997)

Ainda segundo Gerber, para Mesmer os imãs usados na terapia serviam essencialmente para conduzir um fluido etérico que emanava e seu corpo e iria produzir efeitos curativos sutis nos pacientes. A esse fluido vital denominou “magnetismo animal” diferenciando-o do magnetismo mineral ou ferromagnetismo apesar da crença que estes possuíam uma natureza similar.

O "magnetismo" ou força magnética humana, na concepção espírita, envolve, a vontade (desejos), as ações (atos ou comportamentos) e o pensamento (Toledo, 1964), ou seja, os aspectos qualitativos e quantitativos da energia psíquica (Jung, 2002). Segundo Jung esta energia não é uma mera irradiação da excitação, mas uma escolha dos conteúdos psíquicos excitados, determinados pela qualidade de um núcleo de “complexos”, ou agrupamentos de elementos psíquicos reunidos em torno de conteúdos afetivamente acentuados, o que foi designado como “complexos” na psicologia analítica, e é uma escolha de conteúdos simbólicos (pensamentos) que não podem ser, naturalmente, explicados em termos energéticos, pois a explicação energética é quantitativa e não qualitativa. (Jung, 2002)

Por outro lado, estudos experimentais com imãs, feito os realizados por Carl Reichenbach (1788-1869), que identificou que alguns humanos (médiuns) conseguem localizar campos magnéticos, de imãs ocultos em salas na escuridão absoluta, nos remetem a dimensão quantitativa, biofísica da energia circulante no corpo humano. A energia resultante da bioeletricidade cérebro/ cardíaca e do aumento de temperatura associado à febre ou atividade metabólica.

Por analogia identificam-se polaridades magnéticas no campo termoelétrico do corpo humano. Até que ponto comparáveis às descrições dos meridianos chineses e aos aspectos Yin, Yang da energia? As propriedades elétricas diversas das áreas adjacentes os acupontos: condutância elevada, menor resistência, padrões de campo organizados e diferenças de potencial elétrico.

Para Laplantine a metodologia de análise comparativa, se confunde com a própria antropologia e é uma das mais ambiciosas e exigentes, assinala o risco etnocêntrico de pensar ser universalidades culturais as categorias lógicas provenientes apenas da sociedade e cultura do observador, mas não invalida a comparação de achados etnográficos realizados após a laboriosa identificação da lógica própria da sociedade estudada (etnologia).

Ainda sobre o método comparativo, Lévi-Strauss observa que a comparação de modelos estatísticos, resultantes da descrição de muitas culturas (casos) e mecânicos resultantes de análises aprofundadas de um caso, corresponde às diferenças entre a etnografia, história, ambas baseadas na coleta e organização de documentos, enquanto que a etnologia e a sociologia ou antropologia fundamentam-se na análise dos modelos construído a partir e por intermédio dos documentos coletados e organizados. (Lévi-Strauss, 2008)

Assim sendo, devemos procurar na construção do(s) modelos(s) da aura humana nas fontes históricas de formação do espiritismo/espiritualismo bem como os processos de aculturação e difusão cultural identificando a contribuição original e própria de cada cultura, parafraseando Lévi-Strauss ...a civilização mundial só poderia ser a coligação de culturas, preservando cada qual sua originalidade...



REFERÊNCIAS

Doyle, Arthur Conan. História do espiritismo. SP: Ed. Pensamento, 2011

Gerber, Richard. Medicina Vibracional: uma medicina para o futuro. São Paulo: Cultrix, 1997.

Hothersall, David. História da psicologia. SP: McGraw-Hill, 2006

Huang-po apud: Shaun McNiff. (1995). Auras and their medicines. , 22(4), 297–305. doi:10.1016/0197-4556(95)00025-z
 
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/019745569500025Z

Jung, Carl G. A energia psíquica. RJ: Petrópolis, 2002

Lévi-Strauss, Claude. “Raça e História” in Antropologia Estrutural II Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976

Lévi-Strauss, Claude. A noção de estrutura em etnologia. In: Antropologia Estrutural. SP: Cosac-Naify, 2008

McAlister,  Chris. The Four Seas (part one). NAJOM vol. 21 n 60, p.20-22. March, 2014

Raicik, A. C. (2020). Galvani, Volta e os experimentos cruciais: a emblemática controvérsia da eletricidade animal. Investigações Em Ensino De Ciências, 25(1), 358–383. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2020v25n1p358

Scognamillo-Szabó, M. V. R., & Bechara, G. H.. (2001). Acupuntura: bases científicas e aplicações. Ciência Rural, 31(6), 1091–1099. https://doi.org/10.1590/S0103-84782001000600029

Smoot's class. Aristotle's Physics
https://aether.lbl.gov/www/classes/p10/aristotle-physics.html

Toledo, Wenefeldo de. Passes e curas espirituais. SP: Ed. Pensamento, 1964
http://espiritismoativo.weebly.com/uploads/3/1/4/5/31457561/passes_e_curas_espirituais__wenefredo_de_toledo_.pdf

Tsoucalas, Gregory; Sgantzos, Markos. Electric current to cure arthritis and cephalaea in ancient Greek medicine. Mediterr J Rheumatol 2016; 27(4): 74-79 http://www.mjrheum.org/december-2016/newsid792/60

Wong, Ming. Ling-Shu, base da acupuntura tradicional chinesa. SP: Andrei, 1995

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Discriminação das gravuras

A-B - Linha vertical, mediana do equilíbrio
C-D - Linha horizontal, mediana do homem
E - Centro mediano, ponto de equilíbrio da horizontal
F-G - Raios de força - paralelas verticais
H-I -Raios de força - paralelas horizontais
J-K - Corrente centrípeta, corre por fora
L-M - Corrente centrífuga, corre por dentro
N-O - Nuance interespacial das duas correntes
P-Q - Reflexos das vibrações do Espírito
R-S - Períspirito, ou duplo do homem
T-U - Aura material (fluido branco azulado)
V-X - Aura intelectual ou de amor (azul claro)

1 - Aura espiritual (toma a cor dos pensamentos)
2 - Atmosfera fluídica do homem
3 - Luz amarela -alaranjada do espírito quando em vibrações provindas de altas esferas espirituais

(Toledo, 1964).

Esquema dos plexos nervosos vistos de perfil e representação pictórica dos chakras e mapa dos meridianos

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VER TAMBÉM

O movimento das cinco estações
http://etnomedicina.blogspot.com/2011/03/o-movimento-das-cinco-estacoes.html



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domingo, 6 de outubro de 2024

Concentração, meditação, psicoterapia.


 


Há tantas formas de meditação*, quanto de psicoterapia**. Alan Watts comparando a psicoterapia com as técnicas de meditação (os caminhos de libertação como ele as denominou) observa que ambas têm dois interesses em comum: primeiro, a transformação da consciência, o sentimento íntimo da existência de cada um; e, segundo, o desligamento do indivíduo de formas de condicionamento impostas pelas instituições sociais.

Em suas palavras:

...o budismo - e o mesmo se pode dizer de certos aspectos do hinduísmo como o vedanta e a ioga, e do taoísmo na China - não é uma cultura, mas uma crítica de cultura, e uma permanente revolução não violenta ou "oposição leal" à cultura à qual está ligado. Isso dá a esses caminhos de libertação alguma coisa em comum com a psicoterapia além do interesse em mudar estados de consciência, pois a função do psicoterapista é provocar a reconciliação entre sentimento individual e normas sociais sem, no entanto, sacrificar a integridade do indivíduo. O psicoterapista ajuda o indivíduo a ser ele mesmo e a viver a sua vida sem causar ofensa desnecessária à comunidade, a viver no mundo (da convenção social) e não contra ele... (Watts  Cap. 1 do livro “Psicoterapia e Libertação”, p.21...)

Entretanto nas tentativas de redução da psicologia à neurologia, e a mente ao corpo, em determinada condição sócio econômica ou cultura (como ele mesmo (Watts) observa) não são totalmente infrutíferas e abriram caminho para a grande revolução dos psicofármacos utilizados na psiquiatria desde a década de 50 (no séc. XX) e mesmo às ainda incipientes explicações do uso de substancias psicodélicas nas tradições etnomédicas e religiosas. A exemplo do uso da Jurema nas tradições de indígenas brasileiras; cogumelos e outras plantas enteógenas na cultura asteca ou o uso Ayahuasca na macro-etnia neo-incaica que se estendeu dos Andes à Amazônia. (Hofmann, Schultes)

Para Schultz atenção é uma função mista entre o afeto e relação volitiva e o componente fundamental da concentração (Schultz p. 368). Johannes Heinrich Schultz (1884-1970), foi um psiquiatra alemão que com o seus estudos e método de treinamento autógeno trouxe grande compreensão sobre a natureza da atenção plena (mindfulness), o domínio do tônus e tensão muscular e autocontrole obtido pela Yoga, apesar de suas limitadas contribuições à concepção oriental, étnica do “yoga” e sua difusão no ocidente.

Demonstrou o valor de práticas simples da observação da respiração, batimentos cardíacos e das sensações corporais de peso, calor para o autocontrole. Contudo devemos a outro neurocientista de língua germânica – Sigmund Freud (1856-1939) - uma melhor compreensão entre as relações volitivas (a consciência) e os afetos, sobretudo afetos em sua dimensão consciente e inconsciente. Explorou e propôs intervenções clínicas nesse aspecto qualitativo e quantitativo da energia psíquica (o que hoje podemos rever como energia vital) em seu inconcluso “projeto de uma psicologia científica” (1856-1939) também traduzido como “proyecto de uma psicologia para neurologos” e diversos textos de psicanálise. Observe-se os “caminhos” da irrupção dos sintomas ou formas que assumem as fantasias, sonhos e as alucinações.

O ideograma  chán, escolhido como símbolo de uma das escolas/templo de práticas do budismo na China, significa concentração meditativa em tradução para o chinês, direta do sânscrito dhyāna (ध्यान). Na Índia a meditação deve ser aprendida por quem deseja obter a concentração suprema (samādhi - समाधि) junto com outras práticas como disciplina (niyama); refreamento (yama); posturas (asanas); ritmo da respiração (pranayama); concentração (dhāraṇā - धारणा).  (Eliade)

Segundo Cheng podemos distinguir três fases da introdução do budismo na China desde os finais da dinastia Han (entre séc. III e IV) à sua plena assimilação e florescimento na dinastia Tang (nos séc. VII e VIII). É nesse derradeiro período a Sutra do Nirvana, promotor da escola com esse mesmo nome na China, segundo ela, o “vazio” (vacuidade) e a natureza-do-Buda (presente em cada um) tratada nessa sutra nada mais é que o “Eu” verdadeiro, e o nirvana (samsâra) o itinerário que leva a essa união final com o Buda. (Cheng).

NOTAS

* Numa tentativa generalizante de descrever, conceptualizar “meditação” diante da diversidade de formas podemos considerar: a observação concentrada na respiração e no fluxo do pensamento em imagens e palavras pensadas/recordadas (diálogos consigo mesmo). Para, como dizem os chineses, encontrar a imortal flor-semente do corpo do homem. A superação do mundo como descreve o antigo texto: “O segredo da Flor de Ouro” (Tai I Gin Hua Dsung Dschi) pois há uma luz do olho e uma luz do ouvido e semente é a luz em forma cristalizada. (p.112)

Jung, Carl Gustav. Wilhelm, Richard. O Segredo da Flor de Ouro, um livro de vida chinês. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992

** Segundo Cordioli ...na atualidade, existem mais de 250 modalidades distintas de psicoterapias, descritas de uma ou de outra forma em mais de 10 mil livros e em milhares de artigos científicos relatando pesquisas realizadas com a finalidade de compreender a natureza do processo psicoterápico.

Cordioli, Aristides Volpato e col. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008 APUD: CFP – Conselho Federal de Psicologia. Ano da Psicoterapia. Textos geradores: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2009/05/Ano-da-Psicoterapia-Textos-geradores.pdf


REFERÊNCIAS

Cheng., Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p.414

Eliade, Mircea. Yoga, imortalidade e liberdade. SP: Palas Atenas, 1996

Freud, S. Projeto de uma psicologia científica de Sigmund Freud (1950, 1895) Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V,I.

Hofmann, Albert; Schultes, Richard Evans.  Plantas de Los Dioses, las fuerzas magicas de las plantas alucinógenas. Mexico, Fondo de Cultura Económica, 2010

Schultz, J.H. O treinamento autógeno, (1932). SP, Mestre Jou, 1967 p. 368

Watts, Alan W. Psicoterapia oriental e ocidental. RJ: Record, 1972

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  Pinyin: chán

English Definition: dhyana (Sanskrit); Zen; meditation (Buddhism)
https://www.purpleculture.net/dictionary-details?word=%E7%A6%85

 
 xiǎng -  pensar; acreditar; supor; desejar; querer;
https://www.purpleculture.net/dictionary-details/?word=%E6%83%B3


冥想
 míngxiǎng - meditar; meditação
https://www.purpleculture.net/dictionary-details?word=%E5%86%A5

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Ideograma (caligrafia)

Guia Conhecer Fantástico.
A fascinante história do budismo
SP: Sindicato Nacional dos Editores de Livros, 2016

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VER TAMBÉM

ACUPUNTURA DE CHAKRA
Gabriel Stux, M.D. / Tradução: Paulo Pedro P.R. Costa

Costa, Paulo Pedro P. R. Acupuntura, ciência e profissão, 2013
http://etnomedicina.blogspot.com/2013/06/acupuntura-de-chakra.html

O "yoga psicodélico"
uma estratégia para interpretação das relações entre a acupuntura e psicoterapia

Costa, Paulo Pedro P. R. Acupuntura, ciência e profissão, 2014
http://etnomedicina.blogspot.com/2014/03/acupuntura-yoga-psicoterapia.html 

Treinamento autógeno e auto-controle

Costa, Paulo Pedro P. R. Saúde & Comportamento, 2014
http://medicinacomportamental.blogspot.com/2014/03/treinamento-autogeno-e-auto-controle.html

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