Esse texto parte do princípio de que “tudo que a cultura possui se
expressa através da língua; e esta é em si mesma um produto cultural”, sem
resolver esse paradoxo analisamos a concepção de Chi 氣 – energia
(?) enquanto elemento fundamental do sistema etnomédico chinês, que explica e
permite intervenções sobre diversas condições psíquicas e neurofisiológicas. É
um texto que faz parte de um conjunto de ensaios da tese ou proposição de que a
acupuntura chinesa, engendra em si, uma teoria que explica o que compreendemos
como o órgão cérebro, para os chineses “mar de medula”, e possibilita a
intervenção em diversas patologias e manifestações clínicas do sistema nervoso
tais como dor, depressão e outras doenças mentais, doenças psicossomáticas e
neurológicas.
Observe-se, como ressalta Jung, que não se
trata de uma comparação de conceitos, parafraseando Lovejoy, em “A concept of
primitive philosophy” [um conceito de filosofia primitiva], citado no seu livro
“A energia psíquica”: o que entendemos por “conceito” - uma idéia nascida
naturalmente de nossa própria mentalidade – é para o “primitivo” um fenômeno
psíquico, que é percebido em íntima ligação com o objeto, não podendo ser
considerados ideias abstratas nem mesmo conceitos concretos simples, mas
tão-somente representações. Não havendo, portanto, uma idéia abstrata entre os
primitivos, nem mesmo conceitos concretos simples, mas tão-somente
representações.
Segundo os citados autores na linguagem dita “primitiva”
só se indica o fato da relação e da experiência que ela provoca, o que não quer
dizer entretanto que nesse pensamento em estado “selvagem” não há uma
elaboração abstrata, enquanto faculdade mental, e/ou um reflexão sobre suas
próprias crenças. Para Levi-Strauss, o criador da antropologia estrutural,
teoria onde o estudo da linguagem é uma fonte privilegiada para conhecimento de
uma cultura, os textos escritos ou conjuntos de narrativas, elaborados por cada
etnia, corresponderia a um "documento bruto” o que segundo ele equivale a
uma etnografia, elaborada por representantes da própria etnia. No caso do
sistema etnomédico chinês contamos principalmente com “o livro do Imperador
Amarelo”, extraído e compilado das tradições orais na dinastia Han (200 a.C. a
200 de nossa era).
Antes de nos determos na concepção chinesa
sobre a energia Chi 氣, sobretudo sobre sua forma de essência ancestral
ou pré natal, relacionada ao meridiano do rim e ao cérebro, como veremos, vale
destacar a, no mínimo intrigante, coincidência com o conceito de libido. Segundo
o dicionário de psicanálise de Roudinesco: Libido é um termo latino (vontade, desejo),
inicialmente utilizado pelos fundadores da sexologia para designar uma energia
própria do instinto sexual, retomado por Sigmund Freud numa acepção
inteiramente distinta, inclusive da a antiga terminologia filosófica, baseada
no Eros (amor) platônico, da qual, ainda segundo Roudinesco, foram conservados apenas um adjetivo —
erógeno —, para designar uma zona do corpo ou uma atividade ligada à excitação
sexual.
Coube a C.G. Jung a proposição do conceito de
energia, embora também utilize o termo "libido", segundo ele apesar
de não ser ideal, sob certos aspectos, mas por razões de justiça histórica à
proposição de Freud, com seu ponto de partida que era o da sexualidade e "instinto"
("instinto do eu") e "energia psíquica", uma força
instintiva que não deve ser confundida como um retorno a uma espécie concepção
vitalista. Segundo Jung e também Freud, lidamos com fenômenos físicos, que
podem ser considerados sob dois pontos de vista distintos, a saber: do ponto de
vista mecanicista e do ponto de vista energético, a energia psíquica pode ser
compreendida no seu aspecto quantitativo como qualitativo.
Para Jung, tal como explica na introdução do
seu livro “A energia psíquica” a concepção mecanicista é meramente causal, e
compreende o fenômeno como sendo o efeito resultante de uma causa, no sentido
de que as substâncias imutáveis alteram as relações de umas para com as outras
segundo determinadas leis fixas e a consideração energética é essencialmente de
caráter finalista, e entende os fenômenos, partindo do efeito para a causa.
Na concepção freudiana, tal como enunciado no
seu projeto de uma psicologia para neurologistas tais dimensões corresponderiam
aos aspectos quantitativos (Q - imediatamente mensuráveis em termos de carga e
descarga, elétrica segundo Pribran) e qualitativos correspondente nossa psique
e transformações simbólicas da libido.
As questões sobre pseudociência e/ou a cientificidade da
psicanálise, sem dúvida decorrem das limitações da metodologia experimental
para aplicação nas suas principais hipóteses. Por questões, sobretudo éticas, é
praticamente impossível estabelecer uma pesquisa com a metodologia de caso –
controle e ou duplo cego, muito menos desenhos experimentais com variáveis
dependentes e intervenientes.
Para Turato pode deve-se utilizar
paralelamente, além dos recursos dos testes e estatística já consolidados pela
psicologia clínica, a metodologia qualitativa das ciência humanas como recurso
a confirmação independente dos achados clínicos, estimulando o debate
substantivo sobre as evidências de notórios pontos de vista. Retomando, de
certo modo a proposição do próprio Freud de recorrer à antropologia, à arte (ou
estética) e à teoria literária e linguística como fundamentação. Um recurso
também utilizado por Jacques Lacan ao aproximar a psicanálise da antropologia
estrutural de Claude Lévi-Strauss e linguística de Ferdinand Saussure.
Antropologia
médica
Interessante observarmos que a acupuntura e a medicina
tradicional chinesa (MTC) no ocidente e também em alguns momentos (e setores)
na própria China já sofreu a pecha de pseudociência. Tal como escrevi na
wikipédia, uma das grandes disseminadoras da identificação dessa prática como
uma forma de pseudociência, esta proposição provém do desenvolvimento da
medicina baseada em evidências ao que se somou, no Brasil, o movimento jurídico-político conhecido como” ato médico”. Tal rotulação como dito na wikipédia, advém dos estudos intensificados a
partir da década de 90 publicados pela Organização Cochrane e especialmente de
estudos desenvolvidos pelo médico e pesquisador, especializado em combater as medicinas
alternativas, Edzard Ernst, referendados por um grupo de pesquisadores
ingleses, inclusive da tradicional (fundada em 1869) revista Nature.
Observe-se porém que em termos de história e
metodologia científica a MTC e acupuntura seguiu um caminho inverso,
incialmente descrita por religiosos (jesuítas) e viajantes e paulatinamente
aproximando-se da metodologia clínica. Mais recentemente com recursos da
antropologia, saúde pública e finalmente com diversas hipóteses e desenhos
experimentais.
Para Laplantine, o autor de Antropologia da
doença e saúde, a aplicação da antropologia à medicina, estuda a percepção e
resposta de um grupo social à patologia; elabora e analisa modelos etiológicos
e terapêuticos. Um modelo é: uma construção teórica, caráter operatório
(hipótese) e também uma construção metacultural ou seja que visa fazer surgir e
analisar as formas elementares da “concepção” da doença e da cura - sua
estrutura seus invariantes tornando-o comparável a outros sistemas (Laplantine,
1991)
O trabalho de construir modelos operatórios,
que não substituem a realidade empírica, ajuda a pensá-la e põe em evidência o
que ela não diz. É curioso como alguns autores insistem na pesquisa da anatomia
dos canais e pontos de acupuntura, ou medidas biofísicas do Chi, não que estas
não sejam possíveis, mas ignorando completamente o fato de lidarmos com um
modelo, metafórico, abstrato, um “documento etnográfico bruto” consolidado por
uma tradição empírica ou milhares de anos de tentativas erro e acerto.
Analisando os diversos sistemas terapêuticos
com que convivemos no mundo atual, Laplantine identifica na Acupuntura um
modelo etiológico do tipo Exógeno/Endógeno comparável à Endocrinologia,
Neuropsiquiatria e um modelo terapêutico distinto da alopatia e homeopatia,
classificado num grupo tipo Sedativo/ Excitativo comparável à medicina
experimental / Fisiologia Médica (utilizou como exemplo a regulação de função
no rim artificial) e proposições terapêuticas da imunologia, "Treinamento
Autógeno" de Schultz e Bioenergética de W. Reich (Laplantine, 1991)
Segundo o médico e professor de acupuntura da
Universidade de Granada (Es), José Luis Padilla Corral ao
estudarmos a Medicina Tradicional Chinesa (MTC), a consideraremos, como ele, uma Medicina
Tradicional Oriental (MTO), face a sua ampla difusão asiática com
datação incerta (entre 5.000 e 2500 anos) e considerando que não é exatamente uma medicina. Na
sua origem é uma tradição de costumes e conceitos referentes à relação do homem
com seu universo. É praticamente um consenso que os conceitos médicos foram
compilados pelo lendário “imperador Amarelo” Huang Di da dinastia Han (206 a.C.
– 220 d.C) na obra hoje conhecida como Nei Jing (内經) - "O Livro do Imperador Amarelo".
Essa obra é considerada um dos clássicos fundamentais da medicina tradicional
chinesa. (Padilla Corral; Needham, Gwei-Djen; White, Ernst)
Anotações sobre o 精 Jīng, a essência
O
ideograma Jing 精 é um
dos conceitos fundamentais para compreensão da acupuntura do ponto de vista
energético ou finalístico, ou seja tenta-se entende-lo como causa de um
fenômeno ou manifestações de demanda de tonificação ou sedação da energia Yin
ou Yang. A tonificação e sedação, como se sabe, são procedimentos técnicos da
acupuntura e/ou características de produtos farmacológicos, aplicados à
reversão ou prevenção de condições clínicas ou doenças.
Utilizando-se os métodos de
“diagnósticos” da MTC identificam-se síndromes de deficiência (xū 虛)
e excesso, (shí 實) de Chi (Qi) para as quais
utiliza-se os recursos da tonificação e sedação para restaurar o estado de
equilíbrio. Yin / Yang são os dois princípios básicos para classificar e
intervir dos diversos fenômenos corporais, sejam fisiológicos ou patológicos na
concepção ocidental. Observe-se que nessa perspectiva lidamos com um modelo
(hidráulico) “quantitativo”. São
comuns as metáforas que descrevem os canais ou meridianos como regatos, rios e
mares. Contudo são mais complexos os “conceitos” e narrativas voltadas para
descrever os aspectos “qualitativos”
dessa energia
Além do Nei Jing (内經) a “teoria” da acupuntura herdou do Taoísmo (Tao
Te Ching, cap. 67) a concepção de três tesouros 三寶 (SānBǎo) que adaptados à
prática “médica” são os nosso conhecidos Jing 精: a
essência, a herança dos pais; o Qi 氣: a vitalidade, energia,
(parcimônia/ suficiência) e o Shen 神"
espírito; alma, consciência (humildade/ contato com a divindade). A natureza, o bem estar e a adaptação do
indivíduo ou o processo saúde doença, depende da relação entre esses elementos.
Em algumas traduções a mente
(psique) é descrita como JīngShén 精神.
Observe-se como uma narrativa “médica” voltada para aplicações terapêuticas
teve sua origem em um texto clássico chinês tradicionalmente creditado ao
sábio Lao Tsé pelo menos 4 séculos antes da compilação do “Livro do Imperador
Amarelo)
Na concepção “médico / terapêutica” da MTC o 精 Jing é o princípio essencial, a essência da vida. Constitui-se na substância pura fundamental, a base material com a qual é construída a estrutura física do corpo e montam suas diversas atividades funcionais.
A Essência 精 (Jīng) é formada por duas partes: a inicial 先 (先天之精 – Xian Tian Zhi Jing), pré-natal também chamada 原 氣 yuán chi (qì) e a posterior 后 (后天之精 – Hou Tian Zhi Jing), pós-natal ou zòng qì a essência congênita propriamente dita (energia cromossômica), também traduzida por essência adquirida.
O ideograma Jing 精
está presente nas designações de esperma 精子Jīngzǐ (子
Zi Filho) e 精液 Jīngyè - Sêmem) 液 Yè Líquido). É como se fosse inevitável associar a energia
psíquica ou bioenergia à libido e demandas de reprodução dos seres vivos.
Analisando o ideograma Tiān 天
(t'ien / céu), princípio cósmico imaterial, quando associado ao 精 Jīng
– designa a energia ancestral que se conserva no meridiano dos rins ou campo de
cinábrio inferior nas concepções da alquimia taoísta e/ou às regiões
“anatômicas” dos campos de transformação da energia os 3 (san) jiao: shang Jiao
(alto - suspender); zhong Jiao (meio) e
Xia Jiao (baixo inferior). Em muitos textos sobretudo posteriores ao
Neijing, exclusivamente, Taoístas ou Budistas predomina a interpretação dessas
joias ou tesouros como qualidades morais ou vitudes, tal como visto acima.
O diagrama que aqui segue, mostra
a relação ente o Shen 神
(shén), o 精
Jing
e órgãos responsáveis pela assimilação e distribuição da energia 氣 Qi (Chi) do ar e alimentos,
onde: Tien (Tiān 天) o princípio cósmico
imaterial é equivalente ao Shen e ao Jing sem distinguir o inicial (先天之精 –
Xian Tian Zhi Jing) do posterior (后天之精 – Hou Tian Zhi Jing) representando a energia ancestral
que se conserva, como dito, no meridiano dos rins ou campo de cinábrio inferior
nas concepções da alquimia taoísta. A relação entre esses dois princípios ou
momentos é feita no que constitui o Chi 氣 - “a raiz do homem”.
O Chi (Qi) circula em um
fluxo interno, transforma a essência do alento e a energia espiritual (shen).
Atravessa os campos de transformação da energia dos alimentos e da respiração nos
3 (san) jiao conforme a Doutrina Médica Chinesa, segundo o Huangdi Neijing
obedecendo as leis as leis do Yin/Yang e
dos 5 elementos.
Como referido a psique é à
vezes descrita como JīngShén 精神. Numa
concepção ampla a expressão Shen (às vezes traduzido por espírito e às vezes
por sentimento) designa a manifestação exterior da vitalidade do corpo (a
totalidade da psique) e em um sentido estrito representa a consciência que
comanda o Coração e atividade mental. Ao
Jing corresponde o órgão, funções do rim que governa a medula e o cérebro (mar
de medula). Na acupuntura e de certo modo no oriente, seria o que os indianos
conhecem como "karma" e nós como determinação genética (de certo modo
genoma). O Qi, na acupuntura assume muitas formas ou significados condizentes
com a função que exerce em cada momento, circulando nos meridianos e/ou
associado as funções nutritivas e defensivas: 正氣 (zhèng-qì / vital chi); 衛氣
(wèi-qì
/ chi defensivo); 營 氣 (jing qi / chi nutritivo)
O capítulo 1, do Su Wen,
mostra claramente a importância do rim. (“Medula” ou “Emanação renal”) no
crescimento, desenvolvimento, reprodução e envelhecimento e demarca cada
período do ciclo vital em sete anos para mulher e oito para o homem. Observe-se
que esta é um outro aspecto da energia compreendida na MTC como uma espécie de
energia potencial e no ocidente como a programação genética (redução telomérica?)
que explica o envelhecimento. Essa descrição pode ser resumida da seguinte
forma:
-
Infância (sete e oito anos); a emanação renal é abundante; a dentição muda e os
cabelos se alongam; mudanças na pele e pelo; adolescência (14 e 16 anos); a
emanação renal flui (ren mai) e floresce (chong mai); início da menstruação;
início da emissão seminal; amadurecimento das funções sexuais e reprodutoras.
-
21 e 24 anos; a emanação renal está parada; desenvolvimento dos últimos dentes;
no homem, os músculos são potentes e os ossos vigorosos;
-
28 e 32 anos; na mulher os músculos e ossos estão consolidados, os cabelos
atingem seu maior tamanho e o corpo em pleno vigor; no homem os músculos estão
salientes, as carnes viçosas e vigorosas.
35
e 40 anos: na mulher, o canal yang ming declina, o rosto começa a murchar e os
cabelos a cair; no homem a respiração do rim enfraquece os cabelos os dentes
começam a cair.
-
42 e 48 anos: na mulher, os três canais shou yang declinam, todo o rosto
resseca-se e os cabelos começam a “esbranquiçar”; no homem, o yang na região
superior está esgotado. O rosto se resseca e as têmporas ficam grisalhas.
-
49 e 56 anos: na mulher, o qi do Vaso Concepção declina, o qi do chong mai
começa a enfraquecer e escassear, a energia sexual inicia a exaustão e a
menstruação para, então seu corpo começa a envelhecer e ela não pode mais
engravidar; no homem, a energia sexual começa a declinar, sêmen começa a
escassear e os rins ficam fracos e todas as partes do corpo começam a
envelhecer;
Aos
64 anos, no homem, os dentes e cabelos caem.
A energia psiquica
Quanto ao enigmático Shen 神
"O shen não pode ser escutado com o ouvido, o olho deve ser brilhante de
percepção e o coração deve ser aberto e atento para que o espírito se revele
subitamente através da própria consciência de cada um. Não se pode exprimir
pela boca; só o coração sabe exprimir tudo quanto pode ser observado. Se presta
muita atenção, pode-se ficar a saber subitamente, mas também pode-se perder de
repente esse saber. Mas shen, o espírito, torna-se claro par o homem como se o
vento tivesse varrido as nuvens. Por isso se fala dele como do espírito." Nei Ching
Apesar da distinção entre
mito e ciência feita pela antropologia estrutural, que identifica a ciência como
construída a partir da observação e a mitologia pela introspeção (Levi Strauss
- Pensamento Selvagem), nesse caso, não há discordância quanto a importância da
observação. Na medicina tradicional chinesa descrita no Nei Ching, o livro do
imperador amarelo, encontra-se esse interessante reforço à descrição de método
para "observar-se" e conhecer a mente ou shèn o espírito que comanda
o hsing / corpo (形 xíng
- forma) como pose ser constatado no parágrafo acima transcrito do Nei Ching,
livro do imperador amarelo utilizado durante a dinastia Tang (唐朝), 618-906.
Alguns autores descrevem a
mente como 心 Xīn (sentimento) ou XīnShén 心神 (mente) talvez
herdado ou contagiado pela concepção grega (e talvez universal) de ser o
coração o órgão responsável pelos sentimentos e identificam o espírito Shén 神
como o responsável pela percepção e consciência. Contudo a concepção de
JīngShén 精神 nos remete a uma concepção mais ampla
da totalidade da psique tal como compreendida por Sigmund Freud, integrando o “inconsciente”
(id) à linguagem e às demandas instintivas das funções corporais. Em suas
palavras...” o ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é
simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma
superfície.” (Freud, 1923). Por isso, é preciso apreendê-lo como uma projeção
mental da superfície do corpo.
Nesse sistema etnomédico
cujo referencial básico é o NeiChing ou livro do imperador amarelo o coração,
fígado e rim têm maior importância; O Coração é o mestre dos cinco órgãos Zang e
das cinco vísceras Fu; o fígado dirige a regulação dos sentimentos e os Rins
encerram o Jing que é a base material e ancestral de tudo. As emoções e/ou os
padrões de desarmonia também estão previstas, o que em linhas gerais pode ser
descrito como:
- O Coração encerra o 神 Shèn e governa a alegria
- O Pulmão encerra o 魄 Pò e governa a tristeza
- O Baço-pâncreas encerra o 意 Yì e governa a reflexão
- O Fígado encerra o 魂 Hún e governa a raiva
- O Rim encerra o 志 Zhì e governa o medo
Alguns autores como Zhang.e
Chi, Martins
Zafarini Neto enfatizam a possibilidade de interpretação das concepções da MTC
à luz da psicanálise. O dois primeiros ressaltam que muito trabalho ainda precisa ser feito, na construção de um paradigma metodológico, para um diálogo mais amplo entre a
MTC e a psicoterapia psicanalítica. Análoga possivelmente a uma espécie de “Acupuntura
Falada” utilizando o poder da palavra como recurso de estimulação e inibição (Reinforcing
and Reducing). A psicoterapia, segundo eles, em seu sentido restrito pode ser
vista como a solidificação do qi defensivo wèi-qì 卫 气, como
uma categoria de apoio mais ampla, onde seu antagonismo e unificação coexistem
em tensões dialéticas e dinâmicas próprias da psique.
Os autores Martins Zafarini
Neto que também propõe uma aproximação /interpretação psicanalítica das MTC,
como referido, destacam que no Nei Jing, a palavra shèn é utilizada com vários
significados diferentes. Os dois principais que interessam ao tratamento das
doenças mentais são: 1. Shen indicando a atividade do pensamento, consciência,
autoidentidade, insight e memória, tal como Soulié de
Morant, o interpreta; e 2. O Shèn que abrange o complexo de todos os cinco
aspectos mentais e espirituais de um ser humano, isto é, a mente propriamente
dita: o coração (shèn), a alma etérea (hun) o fígado, a alma corpórea (po) do
pulmão, o intelecto (yi) do baço e a força de vontade (zhi) do rim.
É terrível que muitos
detratores da acupuntura, supostamente baseados na comparação aos conceitos da
anatomia e fisiologia experimental ocidental, continuem a tentar reduzir meridianos
e energia aos componentes orgânicos (fígado, pulmão baço- pâncreas, rim etc.) e
medidas físicas, classificando a MTC como uma pseudociência, (sabe Deus com
quais intenções?) ignorando as contribuições da antropologia médica que não só possibilitariam desenvolver um método
de pesquisa eficiente, como permitem uma
compreensão mais exata dos procedimentos e intervenções da acupuntura e MTC enquanto
uma pratica humana e biopsicossocial e, porque não dizer, espiritual?
Principais
ideogramas incluídos no texto
Jing 精 essência; 氣 Chi ou Qi / vitalidade,
energia; 神
Shén
espírito;
正氣
(zhèng-qì / vital chi); 衛氣 (wèi-qì / chi defensivo); 營
氣
(jing qi / chi nutritivo)
精子 (jīngzǐ /esperma); 子 Zi Filho; 精液 (Jīngyè - Sêmem) 陰道 (yindào /vagina)
精神
JīngShén
/ Psique; 虛 xū / deficiência; 實 shí /
excesso.
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Ilustrações
Ideograma 陰道 (yīn dào) 陰 Yiīn: cloudy; overcast · dark · hidden; secret · negative · the Moon · shade; shadow · (philosophy) "female" principle; yin in yin-yang 道 Dào: Road, Way Propaganda lingerie -Lojas Renner Diagrama de espermatozoide / Sperm diagram https://pt.dreamstime.com/sperm-spermatozoide-vetor-de-fundo-image156375242
Diagrama do Aparelho Psíquico - Sigmund Freud (1923) sobre anotações do "Projeto de uma psicologia para neurologistas" Sigmund Freud (1950 [1895])