É tentador buscar compreender as emoções em seu sentido mais amplo e universal, contudo numa perspectiva clínica da medicina psicossomática e mesmo para o entendimento correto (leia-se interpretação ocidental) da medicina tradicional chinesa alguns parâmetros deve ser considerados.
Colin A. Ronan em sua "História ilustrada da ciência da
Universidade de Cambridge" assinala o período histórico de
surgimento/consolidação de algumas das ideias básicas da ciência chinesa, como
nos descreve, a concepção de Yin / Yang (陰陽) originou-se
no princípio do século IV a.C. e quanto a teoria dos Cinco elementos Wu Xing (五行), ele atribui sua
sistematização e origem nos anos entre 370 e 250 a.C. por Tsou Yen (Zou Yan) o
membro mais destacado da Academia Chi-Hsia (Zhi-Xia) do príncipe Hsuan (Xuan).
O reconhecimento da teoria dos "cinco elementos"
ou "cinco movimentos" constitui-se como uma verdadeira revolução no conjunto
de hipóteses, leis e teorias que formam a psicologia. Na concepção da tradição chinesa
os sentimentos ou emoções organizam-se como um ciclo associado à atividade dos
órgãos meridianos durante o dia e durante o ano. Tais emoções e sentimentos
podem ser benéficos ou patógenos a depender da forma como associados aos cinco
elementos da natureza (Vento; Calor; Umidade; Secura; Frio)
Observe-se, contudo que os ideogramas chineses que
correspondem aos cinco sentimentos ou emoções poderiam ser melhor
compreendidos, pelos ocidentais, analisando-se, numa perspectiva antropológica,e/ou
sua utilização na literatura chinesa
clássica.
Para os ocidentais o ciclo neurofisiológico das emoções
associado às estações do ano é em parte já reconhecido por especialistas em
psicobiologia e estudo do comportamento animal. São considerados matrizes ou modelos, replicados em seus diversos
fatores em experimentos que contribuíram
para atual concepção da neurofisiologia das emoções. Uma atenção especial é dada à agressão, por sua associação ao crime, porque não à
sociopatia sádica que começa a ser interpretada nesses modelos, e mesmo à
guerra.
Em psicologia as emoções vêm sendo estudadas desde sua
origem como ciência. Entre as primeiras proposições destacam-se as
contribuições de William James (1842-1910) modificada posteriormente pelo
fisiologista Carl Lange, nessa teoria, conhecida também como teoria da emoção
de James-Lange, imagina-se que as
emoções ocorrem como resultado de reações fisiológicas aos eventos.
Na teoria proposta por Walter Bradford Cannon (1871-1945), a emoção
ocorre quando o tálamo envia sinais, ao mesmo tempo, para o sistema nervoso
autônomo e para o córtex cerebral, o que produz simultaneamente a experiência
da emoção e as alterações corporais.
Entre outras pode ser citada ainda a teoria dos dois fatores de S. Schachter e J.
Singer's (1962), segundo a qual a experiência da emoção depende da estimulação
autônoma e da interpretação cognitiva dessa estimulação.
Outro destaque é a teoria psicanalítica, onde se utiliza o
termo afeto (teoria dos afetos) para designar algumas das emoções estudadas por
James e Cannon e Schachter com grandes contribuições sobretudo à compreensão da ansiedade e
tristeza (melancolia), especialmente a relação destas com as chamadas doenças
psicossomáticas, como veremos, apesar de nos limitarmos, nesse texto, ao estudo
da raiva e agressão.
Sem tanta pretensão com as da psicologia enquanto ciência, a
maioria dos manuais de acupuntura traduzidos descrevem os seguintes sentimentos/emoções:
(1) ira ou raiva (怒 nù); (2) alegria, felicidade (喜 xǐ ) também traduzido como surpresa susto; (3) ansiedade (忧
yōu) traduzido também como: preocupação – meditação – ficar pensativo (想 - si); ter uma ideia fixa, obsessão; (4) tristeza traduzido
também por: melancolia, sofrimento moral, mágoa (悲 bēi)
e (5) medo (恐 kǒng).
Na concepção ocidental de medicina psicossomática de doença
psicossomática a agressão e ou raiva pode estar associada à gastrite e à esofagite,
à algumas formas de constipação ou prisão de ventre. Inclusive o termo “enfezado”
sinônimo de irritado, zangado, na concepção popular e em muitos dicionários "causar fezes a ou
ser acometido de fezes; contudo etimológicamente
apenas associado à irritação e não a
fezes (do latim infensare, “ficar raivoso com”, “ser hostil.”). Se
relacionarmos a raiva à modernas concepções dos mecanismos de fuga e luta e
reação de stress além das ”clássicas” ulceras duodenais também está associado à
distúrbios cardíacos, asma e outras doenças da emoção ansiosa ou depressiva nas
suas fases de “alerta” e “exaustão” ou “quase –exaustão”.
Na concepção chinesa e teoria dos Cinco Elementos ou
Movimentos a “raiva” está associada ao meridiano do fígado (Gan 肝經). Pela sua natureza ou função deste meridiano
relaciona-se ao aumento do Qi (energia vital) necessários à reações de luta, o
que elicia, tanto para ocidentais como orientais, o padrão reativo de ira: taquicardia,
prontidão de músculos e articulações, o rosto e os olhos avermelhados, agitação.
Os chineses aí identificam o chamado aumento fogo do fígado.
Entre as doenças associadas ao desequilíbrio das relações do
fígado com os meridianos do pulmão, baço
estomago e intestino – descritos na teoria dos cinco elementos (五行, wŭ Xing) são conhecidas e tratadas empiricamente,
lesões de cartilagem e unhas, afecções dos olhos e a capacidade de planejamento,
projetos inspiração por afetar o hun – alma etérea (o fator cognitivo da
experiência emocional ? ou a função do lobo – frontal ?) .
Uma síntese entre tais concepções e práticas decorrentes de
seu emprego ainda está por ser realizada. Acreditamos que a correta
interpretação dos elementos lingüísticos e culturais seja essencial. Não se
deve esquecer, porém, que tanto a
concepção de doença como de cura em ambas as concepções devem ser consideradas simultaneamente
(e não a descrição da doença para o ocidente e o tratamento oriental ou vice
versa) e que assim como no ocidente a acupuntura e medicina chinesa é uma concepção
que dialoga com resultados empíricos ou de experiência acumulada embora não se
limite a tecer hipóteses com o que pode ser visto (observável) ou possua
existência material, levando-se em conta a condição de espírito e não apenas a
dimensão simbólica e de linguagem.
Referências
Ronan, Colin A. História Ilustrada da Ciência da
Universidade de Cambridge. (4vol.) vol 2 - Oriente, Roma Idade Média. RJ, Zahar
Ed, 1987
Weiten, W. Introdução à Psicologia: Temas e Variações. São
Paulo: Pioneira Thomson, 2002
Reisenzein, R. (1983). The Schachter theory of emotion: Two decades later. Psychological
Bulletin, 94(2), 239-264.
Gurgel, Marina Gasparoto do Amaral. Raiva: emoção presente
nos portadores de gastrite e esofagite. Psic,
São Paulo , v. 8, n. 2, p.
241-242, dez. 2007 . acesso em 23 set.
2018.
Selye, Hans. Stress a Tensão da Vida. SP: Ibrasa, 1965
Maciocia, Giovanni. Os fundamentos da medicina chinesa. SP:
Roca, 2015
Esse texto inclui
também a revisão de contribuições e publicações do autor em:
Acupuntura e psicologia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Acupuntura_e_psicologia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Acupuntura_e_psicologia
Aprendendo acupuntura
no ocidente (2010) https://etnomedicina.blogspot.com/2010/08/aprendendo-acupuntura-no-ocidente.html
O movimento das cinco
estações (2011)
https://etnomedicina.blogspot.com/2011/03/o-movimento-das-cinco-estacoes.html
https://etnomedicina.blogspot.com/2011/03/o-movimento-das-cinco-estacoes.html
Ideogramas
Jī Nù 激怒
exacerbation; enrage,
infuriate, nettle, anger, thorn, pique, burn up, exacerbate
Cì Jī 刺激
stimulate, provoke, irritate,
upset, motivate, motive
刺- Cì - thorn
激- jī – Excited
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Fèn
Nù 憤怒
愤 Fèn anger
/ indiginação
怒 Nu angry / zangado
angry, indignant, raging;
umbrage, rage, pique,
teen, paddy, anger, wrath, outrage, huff, fury, vehemence, vehemency, bile, indignation;
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Qīn Lüè 侵略
aggression, encroachment,
foray, incursion, inroad, invasion; invade, intrude
侵 Qīn
invadir tomar
略 Lüè aos poucos
略 Lüè aos poucos