sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Acupuntura e a prática da Psicologia


  A profissão  de  técnico de acupuntura,  médico  acupunturista  e profissionais de saúde especializados em acupuntura (acupunturistas com formação de nível superior) no Brasil, ainda está sem critérios legais para regulamentação de sua formação. 

Apesar de ser uma ocupação reconhecida por diversos conselhos profissionais (vide lista de portarias em anexo), fazer parte dos serviços de saúde oferecidos no SUS - Sistema Único de Saúde (Portaria 971 do Ministério da Saúde, 2006), assim como também estar incluída no Catálogo Brasileiro de Ocupações editado pelo Ministério do Trabalho, 1977, em convênio com a OIT (Organização Internacional do Trabalho (MT/OIT/UNESCO-Bra 70/550 nº 0.79 – 15,  onde se define a categoria "Acupunturista"), no Brasil, o acupunturista ainda está sem critérios legais para regulamentação de sua formação e exercício profissional.

O objetivo do presente texto é a tentativa de entendimento de uma das querelas interprofissionais: a "despropositada" intervenção de segmentos da classe médica, para contestação da Resolução nº 05 de 24 de maio de 2002 do CFP - Conselho Federal de Psicologia, que autorizava os profissionais desta categoria a prática da acupuntura. O Colégio Médico de Acupuntura – CMA, através da ação ordinária solicitou a anulação do ato administrativo do CFP, com ação iniciada em agosto de 2002.

Em 2002, o CFP foi o oitavo conselho federal de saúde a reconhecer a acupuntura como especialidade e prática reconhecida para suas respectivas categorias profissionais.  Em 23 de agosto de 2004, houve a decisão judicial, proferida pelo Juiz Federal Alexandre Vidigal de Oliveira considerando improcedente o pedido do Conselho Federal de Medicina de suspensão da citada  Resolução nº05/2002, editada pelo Conselho Federal de Psicologia, que reconhece o uso da acupuntura como um recurso complementar ao trabalho do psicólogo. (Vectore, 2005)

Este processo havia sido julgado pelo TRF - Tribunal Regional Federal e decido nessa instância que “não estão, os profissionais da Psicologia, habilitados para a prática do diagnóstico clínico e prescrição de tratamento, por isso considerando improcedente. Ação esta  contestada e vencida como vimos em 2004. Contudo por recorrência Conselho Federal de Medicina foi a novo julgamento no STF - Supremo Tribunal Federal.

Apesar recurso do CFP apresentado ao STF (junho/2013), este manteve a decisão proferida pelo TRF 1ª Região de anulação da Resolução CFP 05/2002, que reconhecia a acupuntura como recurso complementar no trabalho da(o) psicóloga(o), uma vez que, houve o entendimento de que é competência da União legislar sobre as condições do exercício das profissões regulamentadas.  

A partir desta decisão o Sistema de Conselhos de Psicologia, iniciado pelo CRP – SP ponderou que estando o psicólogo(a) apto a assumir responsabilidades profissionais para as quais está capacitado pessoal, teórica e tecnicamente (como previsto em seu código de ética), e considerando caráter multiprofissional e livre do exercício da Acupuntura no Brasil, não há óbice ou qualquer impedimento para que o psicólogo possa atuar no campo. Recomendando apenas que não vinculasse a sua prática como acupunturista à profissão de psicóloga(o) entendendo também, que essa vinculação, por si só, não constituirá falta ética sobre a qual recairá qualquer procedimento disciplinar (CRP-SP, 2015)

O estado atual do impedimento do exercício da acupuntura por profissionais de psicologia limita-se portanto apenas à vinculação da prática simultânea de acupuntura e psicologia em uma mesma ação clínica ou espaço profissional (supõe-se). Contudo quero me deter na argumentação proferida nesse julgamento, o entendimento de que psicólogos não podem exercer a prática da acupuntura “por se tratar de matéria não prevista na Lei que regulamenta a sua profissão” e portanto a  Resolução nº 05/2002 do CFP é ilegal e deveria ser anulada.

Resumindo, cabe também aqui a ressalva de que no Brasil a acupuntura foi praticada por psicólogos, autorizados pelo CFP, por mais de dez anos (2002-2013) sendo fiscalizada pela Associação Brasileira de Acupuntura, (até a sua desautorização, ainda em discussão, em 2013). Além disso já existe ampla literatura e artigos publicados sobre sua pertinência no tratamento de patologias mentais decorrente desse exercício, sendo também a psicologia corporal e bioenergética consideradas uma prática complementar no tratamento da dor, tensão muscular e ansiedade em doenças crônicas. (Oliveira, 2013)

Psicologia clínica.

Observe-se inicialmente que na história do reconhecimento da acupuntura no Brasil, já constava sua aplicação a doenças nervosas e saúde mental, estava previsto que o acupunturista executasse o tratamento de distúrbios psicológicos (psíquicos), nervosos além de outros distúrbios orgânicos e funcionais;

Naturalmente, ou melhor, possivelmente, para julgar os psicólogos  como não aptos a intervir em distúrbios relativos à saúde mental, os juristas devem ter-se detido na lei nº 4.119, de 27 de  agosto de 1962, que instituía a profissão de Psicólogo e especificava que constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:

a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.

Entendimento este que aparentemente ignora que o diagnóstico psicológico se aplica à condições clínicas, e que estas foram superficialmente compreendidas como “solução de problemas de ajustamento”. Naturalmente que este termo "ajustamento"  já sofreu muitas críticas, sobretudo por psicólogos sociais e comunitários que preveem para a profissão de psicólogo: a ocupação de cargos de administração no poder público, e  o empodeiramento de populações para que venham obter as necessárias reformas sociais que lhes proporcionem melhor condição e qualidade de vida. Apesar do termo ajustamento ser uma nítida referência a capacidade de adaptação das teorias do stress (físico e psicológico) e  da biologia evolutiva.

Observe-se também que a essência  da pratica da acupuntura é a estimulação e que o estudo da estimulação sensorial, sua medida, e efeito neurofisiológico foi o berço de origem da psicologia científica. Seja nos estudos de psicofísica de Ernest Heinrich Weber (1795-1878) e Gustav Fechner (1801-1887), sobre a intensidade física dos estímulos e magnitude da sensação psicológica ou mesmo do próprio W. Wundt (1832-1920), no primeiro laboratório de pesquisa de psicologia. 

Wilhelm Wundt, foi assistente de Hermann Helmholtz (1821-1894) no Instituto de Fisiologia da Universidade de Heidelberg, e Helmholtz, foi quem mensurou a velocidade do impulso neural (antes da invenção dos aparelhos de eletroneuromiografia). Dando seguimento aos estudos de psicofísica. Devemos a Wundt também a proposição dos princípios básicos para estudo da fisiologia da consciência (enquanto substrato material da vida mental) e determinação das quatro características fundamentais das sensações (qualidade, intensidade, extensão, duração). Diga-se de passagem características essências para o entendimento da  reflexologia e mesmo das científicas interpretações ocidentais dos efeitos da acupuntura.

Psicoterapia

Além do limitado entendimento da psicologia por parte dos operadores do direito ou juristas do STF, como visto, observe-se ainda que a interpretação da referida "solução de problemas de ajustamento" apenas no âmbito psicopedagógico e organizacional, omite (leia-se ignora) sua aplicação clínica e estudo da utilização de índices psicofisiológicos, como os aqui mencionados. Os representantes do Colégio Médico de Acupuntura – CMA e Tribunal Regional Federal da Primeira Região, ignoraram principalmente a resolução do Conselho Federal de Psicologia de inclusão das atividades de psicoterapia na matéria (prevista por Lei) para regulamentar a profissão de psicólogo.

Reporto-me ao texto das “Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil - Contribuição do Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho” destinado a  integrar o CBO - catálogo brasileiro de ocupações – enviada em 17 de outubro de 1992, onde melhor se especificou a dimensão do diagnóstico e/ou sua aplicação na psicoterapia como atividades do Psicólogo Clínico.

Nesse referida publicação pode-se ler que o psicólogo atua na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional em instituições formais e informais. Realiza pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológico, e intervenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes abordagens teóricas.

A descrição de ocupação do psicólogo (no detalhamento das atribuições) inclui nos seguintes itens (aqui selecionados):

1 – Realiza avaliação e diagnóstico psicológicos de entrevistas, observação, testes e dinâmica de grupo, com vistas à prevenção e tratamento de problemas psíquicos.

2 – Realiza atendimento psicoterapêutico individual ou em grupo, adequado às diversas faixas etárias, em instituições de prestação de serviços de saúde, em consultórios particulares e em instituições formais e informais.

4 – Realiza atendimento a crianças com problemas emocionais, psicomotores e psicopedagógicos.

5- Acompanha psicologicamente gestantes durante a gravidez, parto e puerpério, procurando integrar suas vivências emocionais e corporais, bem como incluir o parceiro, como apoio necessário em todo este processo.

7- Trabalha em situações de agravamento físico e emocional, inclusive no período terminal, participando das decisões com relação à conduta a ser adotada pela equipe, como: internações, intervenções cirúrgicas, exames e altas hospitalares.

13-Realiza pesquisas visando a construção e a ampliação do conhecimento teórico e aplicado, no campo da saúde mental.

17-Participa de programas de atenção primária em Centros e Postos de Saúde ou na comunidade; organizando grupos específicos, visando a prevenção de doenças ou do agravamento de fatores emocionais que comprometam o espaço psicológico.

Psicologia clínica, abordagens teóricas afins

O termo psicoterapia foi utilizado pela primeira vez em 1872, por um médico inglês, Daniel H. Tuke (1827-1895) no seu “Manual of Psychological Medicine” (1858), este teve ampla repercussão, integrando-se paulatinamente à psiquiatria (alienismo), à psicanálise, e finalmente à psicologia, multiplicando-se as interpretações de seu significado e práticas decorrentes. Há mesmo autores que acreditam ser inoperante classificar da diversas formas de psicoterapia, considerando que surgiram mais de setenta escolas dessa ciência e técnica  no mundo, a partir da segunda metade do século XX.

No século XX constata-se a progressiva conquista da teoria e técnica proposta por Sigmund Freud (1856-1939). Pode-se esboçar a trajetória científica da psicanálise como abandonando inicialmente as suas relações com o estudo neurológico das afasias, abandonando a incipiente e tóxica psicofarmacologia da época, e mesmo o tratamento da histeria através da hipnose, estruturando-se como ciência no exercício clínico. 

Já consagrada como "terapia da palavra", a psicanálise, fundamenta-se, além da metodologia clínica, no estudo antropológico dos costumes e pesquisas sobre arte, religiões, e naturalmente sobre linguística e teoria da literatura. Afirma-se paulatinamente como não exclusiva de profissionais de medicina. Contudo circunscrevendo as demandas da psicopatologia, da psicologia jurídica dos sociopatas e  inimputáveis, além da medicina psicossomática, vem retornando, na atualidade, ao “projeto de uma psicologia para neurologistas” ou neuropsicologia.  É visível esta tendência com a recriação da neuropsicanálise, cujo marco histórico pode ser a criação da Internacional Neuropsychoanalysis Society em Nova York, 1990. Observe-se porém que  não perdeu a abertura teórica e técnica de ser exercida por profissionais não médicos.

Na apresentação dos "textos geradores do ano da psicoterapia", a psicoterapia é reconhecida como prática do psicólogo, por se constituir, técnica e conceitualmente, um processo científico de compreensão, análise e intervenção que se realiza através da aplicação sistematizada e controlada de métodos e técnicas psicológicas reconhecidos pela ciência, pela prática e pela ética profissional, promovendo a saúde mental e propiciando condições para o enfrentamento de conflitos e/ou transtornos psíquicos de indivíduos ou grupos. (Resolução CFP nº 10/00, de 20 de dezembro de 2000)

Ainda segundo esse texto do Conselho Federal de Psicologia, constata-se que na atualidade, existem mais de 250 modalidades distintas de psicoterapias. Numa lista considerada não exaustiva, na classificação de Escolas de Psicoterapia (há setenta denominações no mundo), pode-se identificar três grandes grupos:

1) Psicoterapias arcaicas ou clássicas (sete denominações, por exemplo, hipnotismo);

2) Psicoterapias psíquicas ou psicocorporais, derivadas ou dissidentes da psicanálise, conhecidas como “novas terapias” (com 39 denominações, por exemplo, psicodrama e gestalt-terapia);

3) Terapias do comportamento, ditas também terapias cognitivo comportamentais
(TCC) – (10 denominações, por exemplo, terapia cognitivo-comportamental e dessensibilização pelos movimentos oculares).

Identificam-se ainda outras modalidades, incluídas em outra seção, classificadas segundo as Escolas de psiquiatria ou de psicopatologia ditas dinâmicas ou psicodinâmicas (aliança de uma forma clínica e de um sistema de pensamento, inclui: psicanálise; psicologia clínica; psicoterapia institucional; psicologia analítica e psicologia individual).

Creio ser ponto pacífico que acupuntura, a ioga e outras técnicas de origem oriental se inserem no grupo das intervenções psicossomáticas, psicoterapias bioenergéticas ou corporais. 

A questão essencial da proposição do CFP sobre a psicologia clínica e, em especial, as psicoterapias, é, se estas podem e/ou devem ser definidas como ciência?

O próprio CFP nos apresenta uma lógica e brilhante resposta:

... as psicoterapias não podem e não devem ser definidas como ciência. Não podem porque – como argumentamos acima – elas não se enquadram no espaço epistêmico da racionalidade moderna. Não devem porque sua não cientificidade não é defeito a ser corrigido no futuro, mas é o traço essencial de um saber cuja fecundidade reside justamente em resistir à pretensão de uma objetividade e de uma operacionalidade universais. As psicoterapias possuem caráter sapiencial que as aproxima dos antigos exercícios espirituais e sua riqueza consiste não só em resistir ao avanço da administração total da vida, mas em preservar o lugar antes ocupado pela sabedoria antiga. (Conselho Federal de Psicologia. Ano da Psicoterapia, textos geradores. CFP.    XIV Plenário; Gestão 2008 - 2010)

Por outro lado autores como, Stahl, Schwartz e Sachdeva, propõem modelos científicos para o que denominam farmacopsicoterapia, onde o efeito da psicoterapia é comparado a uma droga epigenética, ou seja, capazes de produzir modificações que não envolvem mudanças na sequência de DNA do organismo. Os citados autores analisam evidências e nos sugerem que tanto a farmacoterapia como a psicoterapia podem atuar convergindo sua ação, possivelmente em neurocircuitos semelhantes, alterando o funcionamento do cérebro como um todo, ao aliviar sintomas psiquiátricos em quadros de depressão e ansiedade, por exemplo.

Jacques Alain Miller (1944), um dos fundadores da École de la Cause Freudienne, distingue as psicoterapias das intervenções diretas sobre o cérebro, cirúrgicas, elétricas ou químicas, entretanto inclui no campo contemporâneo das psicoterapias, as intervenções sobre a realidade psíquica advindas da sabedoria oriental e destaca as que "passam pelo corpo", (formas de ginástica advindas das sabedorias orientais) e ocidentais da antiguidade, de dominação psíquica das funções e apetites somáticos, ou as disciplinas de maestria do corpo.  

Algumas considerações sobre a acupuntura

Apesar do seu reconhecimento como arte terapêutica e medicina tradicional, patrimônio cultural intangível da humanidade (UNESCO, 2010) sua integração ao sistema de saúde hegemônico e conhecimento científico tem sido igualmente controvertida.

A tese do presente autor (Costa, 2000) destaca a importância da compreensão das caraterísticas psíquicas e neurológicas para o entendimento ocidental da acupuntura. Esta proposição considera que estamos diante de uma versão etnomédica do antigo conhecimento oriental (asiático) sobre o cérebro e/ou funções do sistema nervoso. Ou seja, considera que utilizando a metodologia desenvolvida pela antropologia estrutural, pode-se investigar como o cérebro sua anatomia, funções e disfunções, podem ser tomados como objeto de estudo da antropologia/etnografia ao ser considerado como análogo aos invariantes biológicos ou mitemas, como por exemplo o modo como os animais podem ser estudados (na etnozoologia) e se constituem como invariantes, os zoemas (Levi-Strauss, 1986 p.99) nas distintas narrativas míticas.
Autores como Oliver Sacks (1933-2015) e Clifford Geertz (1926-2006) denominaram o estudo da interface cérebro, mente, cultura como neuroantropologia, área do saber que até mesmo já se constituiu como uma comunidade de pesquisadores, a Sociedade Internacional de Neuroantropologia. Onde se pesquisa tentando desvendar o enigma de como o cérebro pode ser pensado (e estudado ou como a mente e os processos cognitivos produzem a cultura que lhe produz e organiza.

A realidade é que o estudo da acupuntura em sua essência não diverge do estudo de como diferentes povos lidam com o processo de adoecimento, o comportamento social e a adaptação do ser humano, e esta questão é o principal objeto da etnomedicina (Fábegra, 1975)

A capacidade desse sistema etnomédico para modificar estados, sinais e sintomas de diversas patologias do sistema nervoso, especialmente a dor, é reconhecida e pesquisada no ocidente há pelo menos 3 décadas, quando houve um reconhecimento formal da OMS. Em 1980 a OMS publicou uma relação com cerca de 40 patologias e estados patológicos com eficácia reconhecida onde pelo menos 22 são distúrbios funcionais (psicossomáticos) que envolvem o controle direto do Sistema Nervoso Central - SNC e/ou - Sistema Nervoso Autônomo SNA

Na acupuntura, a mais conhecida técnica da Medicina Tradicional Chinesa, encontra-se a identificação de muitos sinais e sintomas de alterações da função nervosa como dor (cefaléia, associadas e não associadas à dano nas estruturas do sistema periférico - segmentar), ansiedade, distúrbios autonômicos emocionais, alterações reflexas de tônus e postura, tremores, alterações comportamentais e cognitivas associadas a disfunções elétricas e funcionais do cérebro (convulsão, hiperatividade, demência, retardo e deficiência mental) que podem ser avaliados e tratados por intervenção em pontos que se distribuem por todo o corpo, nos distintos meridianos identificados por essa técnica, associada ou não a outras formas de tratamento da medicina tradicional chinesa, onde se inclui a administração de compostos fitoterápicos (psicoativos inclusive) e outras formas de intervenção.

É bem verdade, que esses sinais e sintomas estão descritos e trabalhados de modo distinto da medicina ocidental, mesmo assim, esta pode beneficiar-se dessa antiga forma de intervenção terapêutica como referência de pesquisa e/ou pratica clínica e vice versa.

Na monografia de especialização em acupuntura do presente autor, orientada pelo professor Jurecê Machado, que na época administrava uma clínica escola associada a Associação Brasileira de Acupuntura – seção Bahia, fundada pelo Prof., Haeckel Meyer, foi elaborada uma lista de fenômenos e manifestações orgânicas (fisiopatológicas e clínicas) do sistema nervoso que são simultaneamente abordadas pela acupuntura e/ou neuropsicologia e medicina psicossomática, a saber:

Alterações na organização cíclica temporal (relógios biológicos): o tempo e possíveis marcadores de ritmos e ciclos ultradianos, circadianos, cósmicos e especialmente o Ciclo Vital, onde estudaremos as depressões, especialmente sazonais, a insônia, os distúrbios menstruais e da função sexual.

Alterações do desenvolvimento neuropsicomotor: como o próprio nome sugere, trata-se de uma abordagem simultânea das aplicações multidisciplinares no tratamento (por neuroestimulação ou estimulação precoce) do comportamento motor (especialmente o tônus) e cognitivo (linguagem, Inteligência) de crianças com características normais e patológicas, (com e sem retardo mental, déficit sensorial e alterações posturais). Identificaram-se na Medicina Tradicional Chinesa proposições explicativas e tratamentos para, o retardo mental, a hiperatividade, epilepsias e paralisias.

Distúrbios emocionais: onde a tarefa da psicologia com as diversas teorias dos afetos e comportamento emocional é tão significativa para complementar o trabalho da neurofarmacologia e especialmente na compreensão das doenças mentais ou mesmo alterações comportamentais associadas a distintas patologias orgânicas. Patologias consideradas de natureza psicossomática e emocional como, asma, hipertensão arterial, distúrbios da função sexual são identificadas e tratadas pela acupuntura.

Alterações da mente/ espírito, ou funções mentais superiores: o estudo dessas funções concentrando-se no estudo da linguagem enquanto determinante da conduta e nos quadros psicopatológicos cujo diagnóstico e tratamento por acupuntura começam a ser reconhecidos e mencionados nos manuais de tratamento, a exemplo da depressão, histeria, ansiedade e mesmo a psicose. Mais recentemente tem se evidenciado que o tabagismo e  outras formas de drogadição, também podem ser tratados pela acupuntura, especialmente se associados a técnicas de meditação auto-conhecimento e libertação (wu-wei, satori, samhadi)  descritos nos textos sagrados, mitos, aforismos da cultura tradicional oriental que servem de modelo e complementação a algumas técnica psicoterápicas como anteriormente descrito.

Dor, nessa área, onde predomina a abordagem neurofisiológica da anestesia e clínica, também tem sido relevante a contribuição da acupuntura para compreensão dos mecanismos fisiológicos da dor, as suas contribuições se somam as da neuropsicologia, especialmente dos processos depressivos e aspectos emocionais da propriocepção e inauguram uma nova perspectiva de compreender a acupuntura em nível microscópico e molecular.

Na citada monografia, "o mar de dentro" (Costa, 2000), abordou-se especialmente o conhecimento sobre o sistema nervoso nas disciplinas anatomia, neurobiologia e neuropsicologia embora já se saiba que muitas das explicações sobre o efeito clínico da acupuntura vêm da imunologia, da endocrinologia e da medicina psicossomática, seja essa última interpretada na escola psicanalítica ou medicina comportamental, apesar da ênfase dada ao estudo das propriedades reflexas do sistema nervoso ou reflexologia pavloviana. Autores mais recentes tem proposto o termo psiconeuroendocrinoimunologia para substituir a manifestação psicossomático ou referindo-se a qualquer atividade do sistema nervoso. 

O exercício/ estudo da acupuntura por  equipe multiprofissional deve considerar que na abordagem da neurociência, ainda não há uma concordância plena dos métodos de estudo e especificidades profissionais que atuam sobre essa classe de sinais e sintomas que envolvem a integridade e funcionamento do sistema nervoso. 

Seguindo a atual divisão das especialidades médicas e paramédicas esboçamos aqui uma lista provisória das intervenções interdisciplinares sobre as síndromes, sinais e sintomas referidos e estudados em:

Neurologia/ Fisioterapia: acidente vascular; paralisias, paresias, parestesias, tremores, convulsão, demência e retardo mental.

Medicina psicossomática/ Clínica médica: asma, alergias, hipertensão, taquicardia, constipação (prisão de ventre), colite, gastroptose, frigidez, vaginismo, impotência, ejaculação precoce.

Psiquiatria/ Psicologia: hiperatividade, ansiedade; depressão, psicose. 

Uma abordagem metodológica de tais distúrbios com esta proposição deve ser, além de multiprofissional e interdisciplinar, considerar-se análoga a um trabalho bilíngue / transcultural, como também  a constatação de uma impossibilidade de correspondências exatas em todos os níveis ou sentidos dos sistemas em questão.  

Para concluir

Falar de acupuntura para antropólogos e neurocientistas como num texto "bilíngüe", um texto escrito em dois sistemas linguístico – descritivos (jargões técnicos) é a proposição (ambição) da maioria dos textos ocidentais e quiçá orientais. A maioria dos estudos e monografias publicadas tenta esta abordagem descreve-se uma patologia na ótica ocidental e em seguida na medicina tradicional, sendo que poucos trabalhos abordam a eficácia das técnicas empregadas.

Ainda está por ser realizado um estudo que realmente integre o referencial correspondente a medicina cosmopolita ocidental e mais especificamente das neurociências associado a epidemiologia clínica (medicina baseada em evidências) e outro correspondendo a medicina tradicional chinesa, considerando a tradição chinesa presente na práticas sobreviventes e /ou identificada em seus textos mais antigos, sendo interpretada como um conjunto coerente na ótica da etnologia (ao nosso ver melhor compreendido a partir da orientação da antropologia estrutural).

A compreensão do taoísmo / confucionismo tem se revelado essencial para compreensão da própria estrutura da organização da cultura chinesa, além de constituírem-se como contribuições, ainda atuais, à filosofia e à ética da prática terapêutica. Observe-se que, o taoísmo (religião cujo principal texto sagrado é o Tao Te King) junto com o budismo, religiões tibetanas e hindus formam a base das práticas orientais de meditação, que como veremos se associam ao conhecimento médico tradicional e à moderna psicoterapia, como referido por muitos autores incluindo o próprio C. G Jung (1875-1961) na década de 30, (do século XX), na apresentação ao ocidente de um dos primeiros textos que aproximam as técnicas ocidentais às práticas orientais: "O segredo da flor do ouro, um livro de vida chinês".  

              O que torna espantosa e completamente esdrúxula a afirmação de que acupuntura “é matéria não prevista na Lei que regulamenta a profissão de psicólogo

Referências

BANNERMAN, R.H. Acupunctura: A Opinião da OMS, A Saúde do Mundo, OMS (24-29) Dezembro 1979

BARFIELD, Thomas (Ed.). Antropologia médica / Horacio Fábegra. Dicionário de antropologia. Mexico: Siglo Viente Uno p.62

BRAGHIROLLI, Elaine M. et al.  Psicologia Geral.  Porto Alegre: Editora Vozes 1990

CABRAL, Alvaro. Breve história da psicologia. RJ: Zahar

CORDIOLI, Aristides Volpato e col. Psicoterapias: abordagens atuais. 3. ed. revista. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 20). apud CFP Conselho Federal de Psicologia. Ano da Psicoterapia, textos geradores. CFP. XIV Plenário; Gestão 2008 - 2010 p 28-29 ]disponível: https://site.cfp.org.br/publicacao/ano-da-psicoterapia-textos-geradores/ 

COSTA, Paulo Pedro P. Rodrigues da. O "mar de dentro" um estudo da concepção de cérebro, mente e espírito no sistema etnomédico chinês. Monografia para conclusão do Curso de Acupuntura Sistêmica. Orientador: Jurecê J. Machado. Salvador,  julho de 2000 CLIMA Escola Científica de Acupuntura

FABREGA, Horacio. The need for an ethnomedical science. Science 19 September 1975: Vol. 189 no. 4207 pp. 969-975 

FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. SP: Perspectiva, 2009

FREUD, Sigmund. Totem e tabu, alguns pontos de concordância entre a vida mental dos selvagens e dos neuróticos (1912 ). FREUD, S. Ed. Standard das obras completas. RJ: Imago, 1974

FROMM, Erich; SUZUKI, D.T.; MARTINO, Richard. Zen-budismo e psicanálise. SP: Cultrix, 1989

GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. RJ: Zahar. 2001

HOTHERSALL, David. História da psicologia. SP: McGraw-Hill, 2006

JUNG, C.G. O segredo da flor do ouro, um livro de vida chinês. RJ, Vozes, 1992

JUNG, C. G. prefácio ao Bardo Thodol in Psicoterapia ocidental, oriental. RJ, Vozes

LEVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem São Paulo, Companhia Ed Nacional, 1976

LEVI-STRAUSS, Claude. Religiões comparadas dos povos sem  escrita, in: Antropologia Estrutural II. RJ, Tempo Brasileiro, 1976

LEVI-STRAUSS, C. A Natureza do Pensamento Mítico, in: A Oleira Ciumenta São Paulo, Ed Brasiliense, 1986

LIN - JUNG - DO (Org) Apostilas  do Curso de Acupuntura Ba  Ed  Xerox-Mimeografada, 1986 e Apostilas e apontamentos de aula

MILLER, Jacques Alain. Psicoterapia e psicanálise (p.11). in: FORBES, Jorge (org.) Psicanálise ou psicoterapia. Campinas, SP: Papirus, 1997

NEEDLEMAN, J.; LEWIS D.. No caminho do auto conhecimento, as antigas tradições religiosas do oriente e os objetivos e métodos da psicoterapia. SP: Pioneira, 1982

OBEYESEKERE, Gananath. Depression, Budhism, and the Work of Culture  in Sri Lanka in:...Culture and Depression. Berkeley, LA: University of California Press, 1985

OLIVEIRA, Gislene et al. Análise bioenergética: uma revisão sistemática da literatura. Id on line, Revista de Psicologia. Ano 7 n 20, julho e 2013

TEITELBAUM, Philip. Psicologia fisiológica. RJ: Zahar, 1969

PAILLARD, Jacques. Utilização dos índices fisiológicos em psicologia. in: FRAISE, Paul; PIAGET, Jean. Tratado de psicologia experimental. V. 3 / 9v. RJ: Forense, 1969

SACKS, Oliver. Um Antropólogo em Marte. SP: Companhia das letras, 1995

SCHWARTZ, Thomas L.; SACHDEVA, Shilpa. Desfechos endofenótipos e os fundamentos teóricos sobre eficácia (introdução do livro) in: OLIVEIRA, Irismar; SCHWARTZ, Thomas L; STAHL, Stephen M. (orgs.) Integrando psicoterapia e psicofarmacologia, manual para clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2015

SOUSSUMI, Yusaku. O que é neuro-psicanálise. Cienc. Cult.,  São Paulo ,  v. 56, n. 4, p. 45-47,  Dec.  2004 .   Available from . access on  05  Oct.  2018.

VECTORE, Celia. Psicologia e acupuntura: primeiras aproximações. Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 25, n. 2, p. 266-285, jun. 2005 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932005000200009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 21 jul. 2019.

WATTS, Alan. Psicoterapia oriental e ocidental. RJ, Record, 1972

WHITE, Adrian,  Neurofisiologia da analgesia por acupuntura. in Ernest, Edzard; White, Adrian, (org.) Acupuntura uma avaliação científica. SP, Manole, 2001



-------------------------xxxxxxxxxxxxo

ILUSTRAÇÃO

Símbolo da Psicologia Ψ, a 23ª letra do alfabeto grego

針灸 Zhēnjiǔ / 針 (Zhēn: Agulhamento) 灸 (Jiǔ: Moxabustão)


ANEXO

LISTA DE INDICAÇÕES DA ACUPUNTURA, DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) [STUX G.;  POMERANZ B., Basics of Acupuncture de Springer, Fourth Edition, 1997, pg 307) ] saved from: < http://www.smba.org.br/informacoes/respostas-12.html
 > SMBA On-line - Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura

Leis citadas

LEI Nº 4.119, DE 27 DE  AGOSTO DE 1962. - Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil - Contribuição do Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho” destinado a  integrar o CBO - catálogo brasileiro de ocupações – enviada em 17 de outubro de 1992.

PORTARIA Nº 971, DE 03 DE MAIO DE 2006
Aprova a política nacional de práticas integrativas e complementares (pnpic) no sistema único de saúde.

Reconhecimento da prática da acupuntura por Conselhos Profissionnais

COFITO - Conselho Federal de Fisioterapia e Terapias Ocupacionais: 
RESOLUÇÃO COFITO N° 60, DE 29 DE OUTUBRO DE 1985

CFO - Conselho Federal De Odontologia, Resolução185/1993

CFB - Conselho Federal de Biomedicina: reconhece , através da Resolução no. 02/86 e 02/95, que o biomédico pode ser orientado à prática da Acupuntura (Resoluções CFB Ab. 2012)

CRP - Conselho Federal de Psicologia: na Resolução CFP nº 05/2002, regulamentou a prática da acupuntura para o psicólogo. (revogada)

COFEN - Conselho Federal de Enfermagem: RESOLUÇÃO COFEN Nº. 326/2008 Resolução COFEN nº. 326/2008

CFM - Conselho Federal de Medicina: RESOLUÇÃO CFM Nº 1.666/2003 (RESOLUÇÃO CFM nº 1.455/95; Revogada pela Resolução CFM nº 1.634/2002)

Conselho Regional de Psicologia – São Paulo, CRP - SP. NOTA TÉCNICA Publicado em 11/5/2015 http://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?id=881


oxxxxxxxxxxxx-------------------------